quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Certas coisas não mudam, e eu gosto assim.

É quase dia das crianças, e mesmo sendo só uma data besta, o tema me fez refletir um pouco. Talvez seja a nostalgia de todos os dias da criança que eu vivi... (meu deus, foram tantos que eu nem consigo contar... com as mãos hahaha). É nesse dia que todos os pirralhos ganham brinquedos sem nenhum motivo aparente, e que todos os pais falam, uns pros outros, que logo logo o filho não será mais uma criança, que vai sair de casa. E essas coisas todas, mas não é isso que me interessa, não sou pai.

É que eu ainda me sinto uma criança. O mesmo moleque que corria com uma bicicleta vermelha pra lá e pra cá - bicicleta que foi ganha em um dia das crianças, nunca vou me esquecer dela, foi minha melhor amiga, e também nunca vou esquecer daquele cheiro de borracha e óleo que ela exalava quando andei nela pelas primeiras vezes - o mesmo garoto que passava o dia brincando de carrinho na terra, ou então num terreno baldio, ou com o meu cachorro, eu sempre estava brincando, sozinho, é claro. Eu era um garoto sozinho, não gostava daqueles outros garotos com os quais eu podia brincar, eram mais velhos, e chatos, e não me davam muita atenção, então me acostumei a brincar sozinho, ou quase - sempre tive minha bicicleta e meu cachorro . 

Não me sinto diferente de nenhuma forma, sou exatamente igual. Talvez mais alto, e com uma voz esquisita que não é minha, mas ainda assim, o mesmo garoto que brincava de lutinha com o vento, armado com um cabo de vassoura. E eu gosto de ser aquele garoto, com a mesma inocência, e tentando manter o mesmo jeito espontâneo de sempre. Aquela mesma afeição pelo mundo que eu tinha antes, eu ainda tento manter, mesmo que escondido em algum lugar dentro de mim, eu ainda gosto de ser aquele moleque sujo de terra . Mas eles não querem deixar eu ser esse garoto, dizem que não me pertence mais o mundo da infância, falam que agora tenho de me corromper, tenho que fazer parte do joguinho deles, ser um cara cinza no meio de uma cidade desbotada e suja, ser uma máquina, um robô, que vive na mesma vida pra sempre, que morre e ninguém sente falta. Mas não, eu não vou sucumbir, não vou deixar esse moleque morrer, não vou viver na merda que nem eles. Eu vou deixar essa criança em mim viva até o dia em que eu morrer.

Naquela época eu bem me lembro que eu era feliz. Talvez fosse feliz exatamente por ser uma criança mais sozinha, tudo com oque eu me preocupava era subir naquela árvore que tinha dez metros, ou correr tão rápido de bicicleta a ponto de ouvir o vento gritar aos meus ouvidos. Os dias passavam rápidos, e em geral eram felizes. Menos no dia das crianças - que ironia eu lembrar da felicidade justo na data que mais me desiludiu naquela época... e eu falando de época como se tivesse oitenta e três anos. Eu lembro que era quase sempre um dia de expectativa, todos na escola comentava tudo que haviam pedido aos pais, e que provavelmente iriam ganhar, enquanto eu mentia, dizendo que tinha pedido algumas coisas, e que já até tinha algumas delas. Quando em geral eu não pedia por vergonha, vergonha de ter que pedir presente enquanto meus avós não estavam lá com muito dinheiro. Mas mesmo assim, eu vagava pelos lugares onde eu devia brincar, mas sem o mesmo sorriso, eu queria que eles se lembrassem, e me dessem alguma coisa, eu queria que eles me chamassem, e me dessem um grande embrulho vermelho com alguma coisa que eu tanto queria, mas não acontecia. Era um dia de expectativas frustradas, e se hoje eu dou risada disso, é graças à criança que sou.

E, mesmo aos trancos e barrancos, eu ainda sou essa criança! Só mantenho esse meu sorriso, e esse tom sarcástico devido ao moleque que sou. E enquanto todas as outras crianças morreram, e deram lugar à pessoas esquisitas, perdidas e desesperadas. Que não tem rumo, e vivem por aí, bebendo e fumando até caírem pelos cantos. Enquanto todos os corpos infantis jazem pelos cantos, eu continuo a mesma criatura inocente, que luta nesse mar de apatia, usando piadas fora de hora, e uma desobediência espontânea. Tudo que faço é porque sou uma criança, tudo que sou é uma criança. E ainda assim, os cinzas querem me matar, e me dar um espírito novo, um igual ao deles. Mas eu sempre recuso, não quero ser assim. A vida que quero levar vai ser sempre essa brincadeira, essa piada. E eu não quero deixar de contá-las , e não vou, haha.

Só não vejo esse grande mal em ter ainda a criança em mim. Eu ás vezes pergunto pra alguém, de modo bem simples: "você é hoje, diferente de ontem?" ... A resposta é quase a mesma, usando aquele tom arrogante, gabam-se do seu tom de cinza... "Sou alguém mais maduro" , "Amadureci meus pensamentos" , "Não sou mais infantil, sou adulto!". Eu dou risada deles, bando de perdidos, querendo ser de novo criança, e não passa um dia sequer sem que se arrependam de terem se matado em troca de um terno e uma gravata. Não passa um dia em que eles não me odeiem por ter me mantido criança!

Como eu posso manter-me criança pra sempre? Haha, fácil. Ser criança é ter mais maturidade que todos eles juntos. Ser criança é mais difícil do que parece. Eu já não tenho meus carrinhos, e minha bicicleta vermelha foi roubada de mim à tempos. Mas ainda assim, eu sou criança. Poxa... eu ainda brinco, não mais com brinquedos de plástico. Agora meus brinquedos tem cor cinza, e se julgam maduros, maduros demais pra brincar, então quem brinca sou eu. E eu dou nos nervos desses meus brinquedos, e nenhum deles resiste a tentação de me dar uma bronca. Nenhum deles entendem que eu brinco com eles agora, os faço de fantoches, talvez assim, eu tenha sempre brinquedos, pra sempre. Não são os melhores, muitas vezes a carência desses brinquedos me dá no saco. Se eu não brinco com eles, eles correm atrás de mim, dizendo coisas que eu não entendo. Não falo a língua dos adultos. E nunca vou falar.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Que beleza de gancho!

Era mais um de ressaca na vida de Nick. Aliás, pensando bem., só mais um dia na vida dele. Pois de ressaca ele andava sempre, principalmente nesses últimos dias. Ele sempre ria, e dizia que pelo menos com a ressaca ele conseguia uma luta à altura. Ninguém dava risada. Não mais. Desde que começou a perder, Nick começou a beber diariamente. E muito.

Nick tinha 39 anos, e era lutador de boxe, ou oque sobrou de um. Ele foi um grande ídolo. Lutou com mais de trezentos caras, tendo perdido, até então dezenove vezes (nas contas dele eram vinte e duas). Nick começo a lutar com 18 anos, assim que se formou na escola, e desde então não fez outra coisa, nunca precisou arranjar um trabalho, sempre lutou boxe, que no fim, era oque ele gostava. E também, porque era meio burro, e não sabia fazer outra coisa.

Quando começou, Nick treinava com o velho James, um outro ex-ídolo do boxe, James tinha uns 60 anos, e era o melhor técnico que alguém podia ter, ensinou a ele tudo que sabia. Começou sua carreira em lutas clandestinas, lutando em ringues velhos, que eram colocados naqueles galpões que ficavam nas docas, ou em fábricas e prédios abandonados. Aquelas lutas eram horríveis. Os galpões eram todos empoeirados, escuros e sujos. E eles o obrigavam a usar luvas finas, eram tão finas que se podia ver as juntas por debaixo do couro surrado. E quando ele estava lutando, se sentia como se estivesse embaixo d'água, de tão mal que respirava... ele odiava aquilo. Estes eram lugares nos quais Nick não entraria de jeito nenhum, e só entrava lá pelo boxe. Era ruim, mas era um começo.

Mas, logo, Nick estava bom demais para as lutas de galpão. Nick tinha uma técnica incrível, e um instinto que só quem nasceu pra luta possuía. Tinha os jabs rápidos, e sempre parecia ter uma nova sequência de golpes prontas, e andava com destreza no ringue, parecia deslizar... suave e rápido, e mesmo assim sem pressa nenhuma, e aquele gancho... meu deus! Era o gancho mais lindo que já existiu. Tinha uma precisão milimétrica, e uma força capaz de derrubar uma porta, uma beleza de se ver. Ele quebrou o queixo de mais de dez caras, antes mesmo de sair das lutas de galpão.

Certo dia, um cara chamado Barney apareceu pra ver Nick lutando, as lutas de galpão eram clandestinas, mas eram bem conhecidas pelos olheiros... Esses abutres sempre de olho em novos talentos, sabiam de toda e qualquer luta que rolava na cidade. No dia que Barney foi lá, Nick ia lutar com um cara 25kg mais pesado que ele. Uma luta arranjada, depois que Nick discutiu com o grandalhão num bar, e prometeu quebrar a cara dele no ringue. Nick brincou com o cara por dois rounds, e depois deu os dois passinhos curtos pra esquerda, e soltou aquele gancho. Derrubou o grandão como se fosse uma criança. Nick mal tinha suado, e o grandão já estava inconsciente na lona. Depois da luta, Barney foi ao vestiário, chamou Nick, e ofereceu-lhe uma luta profissional, de verdade. Valendo cento e cinquenta dólares só pra subir no ringue, com adicional de cem se ganhasse, e mais cinquenta se fosse por nocaute.As lutas no galpão pagavam vinte e cinco pro vencedor e adicional de cinco por nocaute, era uma merreca. Nick aceitou na hora, não só pela grana, mas porque enfim tinha chegado a hora. Ele tinha a oportunidade de lutar para um público decente, num lugar decente...

A luta seria no mês seguinte. Dali a exatos vinte e um dias. Seria num ginásio grande, no centro. capacidade para cinco mil pessoas. E provavelmente estaria lotado, seria um grande dia para os apostadores e golpistas.  Barney disse que pra Nick que ele ia lutar contra um cara forte. Cartel 12-4. Nada mal, pensou... e ele já tinha visto o cara lutar antes, era lento, pesado. Não sabia andar no ringue, e batia mal. Só teria que tomar cuidado com aquele direto de esquerda... Era o único golpe decente dele. Por precaução, ele dobrou os treinos. estava treinando seis horas por dia, estava alucinado pela ideia de lutar como profissional. James - o técnico - dizia pra ele maneirar... Mas Nick não lhe dava ouvidos... Treinou todos os dias, durante dezenove dias. Até que James o convenceu a descansar dois... Nick tava afiado, confiante e forte, se sentia como se pudesse derrubar um touro com um só golpe, e eu não duvido que ele pudesse.

No dia da luta, ele foi cedo pro ginásio, chegou lá cerca de cinco horas antes, andou pelo ringue - que ficava sempre montado - conheceu as arquibancadas, os vestiários, comeu um sanduíche, e foi tirar um cochilo. Duas horas antes da luta, ele já estava preparado, estava se aquecendo no saco de pancadas que ficava no vestiário quando Barney chegou, com aquele jeito esquisito dele.

_Tá pronto Nick? Já se arrumou? Como estão as luvas? Tá com sede? Precisa de alguma coisa? - Ele flava de um jeito frenético, paranóico, era horrível de se ouvir.
_Calma, caralho! Tô quase pronto mano, só não me apressa - respondeu com raiva. Barney lhe dava no saco.
_Ohhh! Me desculpe, eu só... é... desculpe - e saiu apressado. Aquele cara era estranho, pensou. E voltou a se concentrar pra bendita luta.

E então, na hora marcada, Nick ouviu pela primeira vez o auto-falante do vestiário. Ele nunca se esqueceu daquela voz...

_No canto direito, de calção vermelho, com cartel de doze vitórias e quatro derrotas, John "The Hammer" Francis! - John "A mula" Francis, pensou Nick, burro e lerdo, que só sabia coicear... Realmente uma mula.... Então ouviu os aplausos e gritos quando John subiu no ringue.

E então volta a ouvir os auto-falantes:
_E no canto esquerdo, de calção azul, nosso estreante, Nick "Eagle"!
_Que porra é essa? Quem colocou essa porra de nome ali? - Resmungou Nick enquanto se dirigia ao ringue. Subiu no ringue, e o ginásio todo gritou, urrou e vaiou... Tudo ao mesmo tempo. E ele se maravilhou com aquilo. Ele mantinha o olhar confiante que sempre ostentava, mas agora com um brilho renovado.

Chegou o árbitro, um cara magrelo, com um nariz grande, fino e arrebitado. Um cara engraçado e desengonçado. Soltou a mesma ladainha de sempre:
_Quero uma luta limpa! Sem mordidas, sem cabeçadas, sem golpe baixo... Toquem as luvas e se afastem!

Então Nick começou a sentir o ringue novamente, porém, dessa vez, o ringue tinha uma força diferente. Ele era mágico. Sentiu as luvas, novas e brilhantes, com o couro ainda brilhoso, e sentiu as sapatilhas, confortáveis, amarradas de um jeito perfeito. Aquela era a noite dele, e de toda aquela gente assistindo, agora um pouco mais calmos, prestando atenção nele. Ele sabia da ansiedade de todos. Queriam ver um show. Eles teriam um show....

John estava indo em direção a Nick, querendo acabar logo com a luta. Mas Nick administrou os primeiros golpes desferidos por John, e então começou a andar,  fazendo círculos ao redor de John, soltando sequências rápidas de jabs e diretos. Apenas espreitando, mas ainda maravilhado com aquilo tudo...

Ele estava cansando John, e estava conseguindo. O cara não tinha um preparo físico igual ao dele. John não tinha treinado o quanto ele tinha treinado, jamais conseguiria acompanhá-lo. Ele continuava soltando sequência atrás de sequência.  E parecia que a luta iria acabar no primeiro round. Quando John meio ás cegas soltou um daqueles coices de mula dele, com a mão esquerda, que acertou Nick direto na orelha. Nick foi à lona, e todo o ginásio quase veio à baixo, achando que a luta já tinha acabado. Mas não, ele ainda estava acordado, e totalmente consciente, ele só tinha caído pela força do golpe, porém, nada demais, ele não estava nem tonto. Se levantou - calando o ginásio - e por estratégia esperou a contagem chegar a oito. Então mandou o árbitro seguir a luta, coisa que não adiantou muito. Só faltavam dez segundos para o fim do round. Soa o gongo.

 John vai cambaleando para o canto onde está seu técnico. Enquanto Nick , que mal tinha suado se dirige ao canto onde estava James, com aquela mesma cara de desesperado de sempre. James falou algo sobre movimentação e atenção, e algo mais sobre evitar aquele bendito coice de mula. Mas Nick não parecia ouvir coisa alguma, ele agora só queria terminar a luta, o povo já tinha tido show o suficiente, o gran finale teria de ser agora. John não tinha parado de encará-lo durante o intervalo, quase não conseguiu ficar em pé, pobre homem, era só o primeiro round e já estava em farrapos.

Soa novamente o gongo, os dois voltam ao centro do ringue, Nick agora parecia mais sério, mais centrado na luta. Começou a movimentar-se de forma ágil, e desferindo golpes apenas para manter a distancia, nada forte, porém era muito rápido, quase hipnótico, um boxeador incrível, naquela noite, eu diria, insuperável. Então, após desviar de alguns golpes de John, e fazer aquele coice de mula passar assobiando perto da orelha, Nick fez tudo que mais adorava fazer...

Foi uma cena épica, que ficaria marcada pra toda a eternidade, não só para Nick, mas todos os presentes ali, jamais conseguiram esquecer a cena. Nick deu os dois passinhos rápidos pra esquerda, mediu a distância visualmente, e soltou aquele gancho, direto na ponta do queixo de John, com toda a força que tinha, meu deus, era simplesmente perfeito, como um bote sorrateiro de uma cobra, rápido e mortal. John caiu na hora, duro, sem nem esboçar reação, desmaiado pela força surpreendente do golpe, e não levantou dali até o fim da contagem. E o ginásio ensandecido urrava, assobiava, uns outros tantos desesperados, parecia que iam todos se matar. Aquilo estava uma loucura. Era a primeira vez que Nick tinha feito aquilo, porém, não a ultima.

Depois desse dia em questão, a vida de Nick passou por ele basicamente como um borrão, tudo que fazia era treinar e lutar aos fins de semana, na época, quase todo fim de semana, e logo que James morreu, ele tratou de arranjar toda uma equipe, ele tinha cinco técnicos, todos incríveis, não como James, porém ainda assim, caras incrívei. De vez em quando aparecia na televisão, ou tinha alguma matéria publicada no jornal, com ele na capa da parte dos esportes, geralmente com o título de "O maior boxeador que já se viu". Mas, ele aproveitou cada segundo, dentro ou fora dos ringues.

Dinheiro não era mais problema, ele brotava de todos os cantos. Comprou uma casa grande pra família, e uma maior ainda pra ele, tinha até uma academia dentro de casa. Tinha cinco carros, e umas outras tantas motos. Gastava dinheiro com festas que ele não ia, com mulheres que não eram pra ele, com bebidas que ele nem queria. Nick nunca foi apegado ao dinheiro mesmo, então deixava quem gostava do dinheiro usá-lo. Casou-se algumas vezes, mas era um cara meio apático, então seus casamentos nunca duravam mais que um ano, ou seis meses. E assim foi, pelos anos seguintes. Sempre cercado de um monte de gente que ele não sabia o nome, e de mulheres que lhe causavam nojo. Mas era tudo pelo boxe.

Logo que fez trinta e sete anos, Nick foi avisado pelo seu empresário - que ele não sabia o nome, pois ele trocava quase todo mês de empresário, bando de ladrões - que logo teria de se aposentar, já não era um garoto prodígio, e estava cada vez mais fora de forma, e que com quarenta anos a aposentadoria seria compulsória. Então Nick lhe disse que iria parar de lutar boxe apenas morto, ou aleijado. Não tinha escolhas. Não podia parar. Mas o empresário alertou-lhe que logo, ele estaria velho demais, e seria descartado, como todos os outros tanto que Nick já tinha visto serem colocados de lado, sem nem mesmo um adeus.

Pouco depois disso, Nick entrou numa fase ruim - pelo menos era oque ele pensava - perdendo muitas lutas, engordando, e não conseguindo mais respirar direito. Se sentia como se estivesse com dezoito anos, lutando num galpão. Porém, era a idade, ele sabia...

Quando começou a perder, foi logo esquecido, quem iria querer um velho ídolo gordo e flácido? Ninguém o queria mais. O número de lutas começou a cair drasticamente, ás vezes passavam-se meses sem um luta. Mas Nick ainda queria lutar, e vivia desafiando os mais novos, os calouros, porém aqueles moleques metidos riam-se de Nick, e chamavam-no de "A Múmia de luvas". Nick sabia que tinha acabado, seus anos de glória se foram. Ele tinha de entender, mas não conseguia. Logo que se aposentou, Nick começou a beber, algo que nunca tinha gostado, mas a questão não era gostar, ele não conseguiria aguentar o tranco sem o boxe. Ele agora tinha o uísque, a vodka, a tequila, e tantos outros a disposição. Começou a praticamente viver pelos bares. Quase uma figura mítica nos bares da área industrial. Onde crescera, e fora criado até entrar pro mundo do boxe.

Passou o tempo, e ele não conseguia mais se erguer. E aquele dia de ressaca parecia estranho, tinha um sentimento diferente. De qualquer forma, não iria ficar em casa, aguentava aquele maldito lugar cheio de lembranças. De uma época em que ele era aquilo que gostava de ser, de uma época que tinha passado, e não iria voltar. Não. Ele precisava ir pro bar, o mesmo de sempre, com as garçonetes de sempre, e a bebida de sempre. E junto, as memórias de sempre.

Pegou o carro - já tinha se livrado dos outros todos - e seguiu pro bar, foi contemplando o caminho, apreciando a vista, e cada segundo até o bar parecia se arrastar. Logo que chegou ao bar, foi reconhecido por todos que ali estavam. Os companheiros de bebedeira. Ele fez um comprimento com a cabeça, e sentou-se na mesa dos fundos, a mesa de sempre. Logo Julie trouxe-lhe a bebida. Duas cervejas e uma dose dupla de Jack Daniels. E bebeu, ficou cerca de umas três horas ali no canto, bebendo um pouco. então depois de terminar mais uma rodada, pagou outra pra todos e foi no banheiro, precisava mijar. Foi direto ao banheiro, tinha aquele cheiro familiar de urina velha e vômito, nada que ele não aguentasse. Mijou, e voltou pra mesa de sempre. Mas quando chegou lá, tinha uns dois caras sentados no lugar, eram grandes e fortes, eles tinham cara de quem gostava de arranjar briga. Nick não gostou deles. Logo pediu:

_Vocês, por favor, poderiam me dar licença, eu estou nessa mesa.- realmente num tom educado. Não estava afim de brigas, nem discussões, e muito menos de ser colocado pra fora do bar, e ter que achar algum outro.
_Vá te foder, babaca - foi a resposta de um dos dois caras - Vá achar alguma outra mesa, nós estamos nessa.
_ Eu realmente prefiro que vocês saiam da minha mesa, eu já estava nela, quero é que vocês procurem alguma outra mesa. - Tentando manter o tom calmo,  Nick prosseguiu - Eu pago uma rodada pra vocês, mas me deixem na minha mesa.
_Ihhh, olha só, é o Nick, aquele idiota fracassado, eu perdi 50 dólares por tua culpa cara. Tu é um filho da puta, imundo, escroto. Uma lenda morta, que nem merecia ser chamado de lenda. - exclamou o que tinha cara de mais novo. e se levantou.
_Olhe, me desculpe, mas boxe é assim, um dia se perde, outro dia se ganha, e no outro você só quer, a porra... da mesa... pra poder beber! - Nick tinha se enfurecido com os insultos do rapaz.
_Ei cara, eu quero minha grana de volta, seu babaca. Você fez eu perder, e agora vai me pagar, é assim. Ou você paga por bem, ou eu faço você pagar. - E o mais novo foi pra cima dele, enquanto o outro continuava sentado.
_Pagar pelo quê? Tu que apostou, era tua grana, não pedi pra apostar em mim. Se eu perdi, desculpa, mas não vou te pagar. Babaca!

Logo que terminou a frase, o cara se jogou pra cima dele, tentando acertar-lhe no nariz com um soco meio sem jeito, Nick , quase rindo desviou do golpe, e deixou o rapaz esmurrar o vento. Mas logo o rapaz voltou, querendo acertar dezenas de golpes, entre socos e chutes, mas todos em vão, logo o pobre rapaz estava cansado, e não conseguia sequer respirar. Nick simplesmente com um soco no estômago o derrubou.  O  tal rapaz caiu se contorcendo e chorando, era de dar dó. Nick ficou ali em pé, parado e olhando, enquanto todos no bar estavam absortos com o acontecido. Tinha sido tudo muito rápido, e ninguém se metia nessas brigas, nem mesmo o dono do bar. Era uma coisa meio pessoal, e o dono daquela bodega gostava das brigas, atraíam a clientela, e contanto que não quebrassem nada, poderiam ficar ali se estapeando o dia todo.

Oque Nick não viu foi o outro rapaz chegar por trás dele, enfiar um canivete na barriga dele, e puxar pra cima, abrindo-lhe um rasgo na barriga. Nick teve apenas tempo de virar, olhar para o cara que tinha lhe confinado à uma morte súbita, dar dois passos rápidos pra esquerda, e dar-lhe o golpe para o qual tinha nascido. Com uma força que ele não sabia de onde tinha vindo, desferiu o último gancho de sua vida, outro golpe perfeito que acertou a ponta do queixo daquele pobre rapaz. O rapaz, claro, caiu no chão desmaiado, com o canivete ensanguentado ainda na mão, porém agora desacordado.

A visão de Nick se turvou, e ele caiu. Tudo estava embaçado, o teto do bar parecia se mover. Ele sorriu consigo mesmo no meio daquela dor, e pensou:
"Ainda tenho o gancho mais perfeito do mundo".

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Homenagem pra quem merece!

Hoje, Stevie Ray Vaughan estaria fazendo 58 anos. Ele é um dos caras que ainda deviam estar aqui, mas por uma fatalidade, não está mais. É uma pena, porém, não está.

Ele era um guitarrista excelente. Colocava o Hendrix no chinelo, e nenhum dos caras de hoje é páreo pra ele. Sou sim um grande fã, mas mesmo quem conhece pouco da obra dele tem que admitir, que se não "o melhor de todos os tempos" ele é um dos melhores. 

Ele além de tocar pra caralho, era um frontman de primeira, cantava, dançava, subia na guitarra... literalmente, fazia e desfazia nos shows. Com solos extasiantes e incríveis.... um artista completo. 

Não precisava de letras pra mostrar sentimento. Mesmo sem letra, ele dizia mais nas músicas que muito poeta por aí. E é por essas e outras que Stephen Ray Vaughan já faz parte da minha playlist. E não vai sair dela nunca.

Essa homenagem é pequena e simples, e ele merece muito mais que um texto pequeno assim. Mas eu não podia deixar passar totalmente em branco esse dia.

Ps: She's My Sweet little thang
     She's my pride and joy.
     :)