terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Será que se eu pular, eu chego do outro lado?


Eu não sei qual ideia eu tenho quando levanto da cama de manhã. Não sei qual pensamento se abate sobre mim quando a porra do despertador toca, e eu deixo que ele me acorde. Eu ainda não consegui entender o motivo maior, aquela coisa me me segura, e não me faz jogar o despertador na parede. Eu sou maior que ele, e jogá-lo na parede resolveria todos os meus problemas. Seriam manhãs inteiras de sono, e dias inteiros livre, sem ter que correr para um lado e para o outro. Ou então, semanas e meses cheios do silêncio que se faz quando não escuto aquele "BEEEP BEEEP BEEEP". Talvez eu não possa fazer isso, mas eu bem que queria. Não consigo imaginar  - pra variar - de onde tirei a ideia de viajar pra fora do país, ainda mais ir para os Estados Unidos, aqueles caras são paranóicos, ficaram com medo até do meu ipod (ipod se escreve junto). Depois de tantos documentos, tantos lugares pra ir, tantas coisas pra provar que eu não sou um psicopata...eu to quase sentando e vendo o mundo acabar com um toddynho na mão (álcool faz mal pra saúde, ouviram crianças?). Mas de qualquer forma, uma estadia na Califórnia não pode ser desprezada. O estado americano que recebe mulheres do mundo todo... meu deus, uma chuva de mulheres. Mas ainda vou pensar se vale à pena.

Fato é que o maldito despertador teve de fazer hoje, novamente, seu trabalho. Me acordou às 07:15 (uma hora e quarenta e cinco minutos a mais que o normal, ainda assim, cedo demais). Tive que ir para uma parte da seleção para a obtenção do visto. Uma coisa bem de retardado - ou de americano, eu trato os dois como sinônimos. Estava marcado para ás 10:45, ou seja, tempo de sobra. Levantei, fiz a cafeteira trabalhar. Se o despertador me acorda, eu acordo a cafeteira, e ela acorda meu intestino. E enquanto o café não estava pronto, eu fui me trocar, joguei as cuecas sujas num canto - desses bem escondidos, para eu pode esquecer dessa cueca -, coloquei cuecas limpas, passei desodorante, pois todos os psicopatas são fedorentos que não usam desodorante, então peguei um jeans surrado, um par de meias decentes, e coloquei, logo em seguida calçando meu all star. Não é por ser fashion, ou querer andar na moda, eu só tenho aquele par de pisantes, eu gosto deles. E escolhi entre umas das minhas poucas camisetas. Procurei a que me fizesse ficar menos parecido com um psicopata. A camiseta do Pantera escrita "Cowboys From Hell" não iria me ajudar muito, a camiseta do Iron Maiden escrita "Death On The Road" ... não era bem o apropriado, pensei. Fiquei com a camiseta surrada do Ac/Dc, e puta que o pariu, era a mais surrada. Mas ainda assim, uma boa banda, uma boa camiseta, e ainda me fazia parecer apenas um moleque que ouve rock, gostei disso. Nenhum menino que ouve rock e usa all star é considerado psicopata sanguinário (ou pedófilo, traficante, terrorista, etc). Estava enfim vestido como sempre. Isso me deixa mais confortável e confiante, saber que eu estou parecido como sempre, e que as pessoas vão me olhar do jeito que sempre olham. Com isso eu sei lidar. Logo que terminei de me vestir, meu café estava pronto, servi uma boa quantidade em uma caneca, e coloquei um pouco de açúcar - não muito, muito açúcar afeta sua masculinidade. Passei manteiga num pão, não muita, muita manteiga afeta sua masculinidade. E comi bem devagar. Pois tem o ditado que diz "Comer depressa afeta sua masculinidade" ... não é isso, mas é quase isso, e eu passei a mensagem, e passar a mensagem é o importante. Terminei de comer e fui arrumar minhas coisas. Chaves, ipod,  (junto...se escreve junto!), celular, cartão de crédito, um livro pelo qual nunca paguei, nem eu, e nem ninguém (Numa Fria - Bukowski... você só é um macho alpha quando lê Bukowski, nunca vi um macho alpha que não tivesse lido Bukowski). E claro, peguei aquele tufo de documentos, era muita coisa, devia ter ali umas cem folhas com autorizações, fotos, documentos, cópias de coisas inúteis, pornografia com cavalos... não... essas eu preferi deixar em casa. Eram sete e quarenta e cinco.

De qualquer forma, eu estava pronto pra sair de casa, e ir para mais um lugar que iria me levar ao sonho californiano. Logo seria eu e três belas garotas, uma mexicana, uma loira e uma ruiva, todas de biquíni e besuntadas em óleo, se esfregando em mim com vontade, e dizendo o quanto eu era lindo e perfeito, e que tinham esperado a vida toda por um homem como eu. E me fazendo propostas de casamento, tudo para não me deixar voltar. Me dariam um filho, uma casa e um greencard, apenas para continuarem com meu corpo entre o corpo delas todas. Mas eu tinha que por minha cabeça no lugar, e eu ainda estava em casa, e tinha uma caminhada de vinte minutos até o metrô. Destranquei o portão, saí, e tranquei-o novamente, certificando-me de que ele estava realmente trancado... nunca se sabe, e eu não confio em fechaduras, cadeados e coisas do tipo. Me parece o tipo de coisa que os caras fabricam para não trancarem, e aí eles vendem os cadeados para as prisões, que vão segurar os caras que teriam arrombado minha casa, e ai esses cadeados - os da prisão - seriam ruins, e aí os presos fugiriam, e aí a tal empresa de cadeados poderia vender cadeados para os ricos poderem se proteger, e fariam também cofres imensos para eles protegerem o dinheiro deles, mas esses seriam também propositalmente ruins, essa coisa é só um ciclo vicioso, e os únicos cadeados bons, são aqueles que protegem a fábrica de cadeados, e aqueles que são também usados pra trancar as casas dos caras que vendem cadeados, eles não curtem o caos que provocam, e eu não sei porque diabos eu estou falando disso.

De qualquer forma, meu portão parecia bem trancado, e eu espero não entrar nesse ciclo dos cadeados. Comecei a andar até o metrô. Precisava de música, calma, alta, e que me fizesse dar uma viajada. Comfortably Numb foi a escolhida - não do dia, é mais um costume... coloco ela como primeira música, ai posso sempre começar meu dia ouvindo ela. Ajuda de verdade, aquele cara... Gilmour? Sim, Gilmour, ele sabe fazer uns solos, tenho que tomar cuidado pra não chorar enquanto escuto aquela música, mas não consigo não cantar. Um dia aprendo a tocar guitarra só pra tirar essa música. A caminhada até o metrô era bem tediosa, não tinha muita coisa pra se admirar, eram subidas e descidas longas de monótonas, e os pontos de referência são sempre fáceis de se ver. Tinha um mercado na esquina, e um muro com um grafite bonito que foi estragado por uma pichação que dizia "Mais respeito" e "Eu picho, você pinta, vamo ver quem tem mais tinta" , tinha também a loja de chocolates, e a praça... mas num todo, era só um monte de retas, e pode-se ver toda a inclinação da rua, de tão retas que são. O ser humano sempre teve essa maldita tendencia de deixar o mundo todo reto. Até a sua coluna eles querem que seja reta. Logo acabou Comfortably Numb, e a música que começava era Cold Shot, dum texano metido a besta que enfiou seu helicóptero na neve pra esfriar a cabeça, dizem que ele não tinha um cheiro muito bom, mas não lembro da guitarra dele ter nariz. Passaram-se mais algumas músicas, e mais uns minutos daquela caminhada chata e incessante até eu avistar o metrô. Eu ainda tenho a fixa ideia de que todos no metrô são frangos que entram no caminhão que os leva pro abate, e fazem isso de livre e espontânea vontade. De qualquer forma, entrei na estação do mesmo modo que faço todo dia. Tudo parecia normal. Os mendigos, os cachorros, os policias no canto - sempre o mesmo canto. E os frangos, dúzias deles, centenas deles, milhares deles...segundo estimativas, milhões deles. Me dirigi à bilheteria, tateei meus bolsos à procura do dinheiro pras passagens, que ótimo, tinha esquecido o dinheiro em casa, e já eram oito e três... maldito despertador, sempre fazendo seu trabalho.

Voltei correndo pra casa, claro. Nem notei todas aquelas pessoas que me olhavam de soslaio. "Olhe que homem louco! Correndo por aí como se o mundo fosse acabar..olha, milho cócócó". Cheguei em casa em doze minutos, e eu corri o máximo que pude, peguei a grana das passagens (de ida e volta, não ia querer correr até em casa pra pegar a grana de novo... deve ser uns vinte quilômetros até o lugar da entrevista, então correr vinte quilômetros pra pegar o dinheiro da passagem pra voltar pra casa, e voltar correndo até o metrô pra poder voltar pra casa não me parecia uma opção agradável). Voltei correndo para o metrô, eu já estava ofegante no meio do caminho, mas me forcei a continuar. Meu peito queimava quando eu cheguei novamente no metrô, e eu estava suando feito um porco, que ótimo. Treze minutos na volta. Puta que o pariu, eu tinha perdido nessa brincadeira no mínimo vinte e cinco minutos, já era oito e meia, e pra variar, eu estava começando a ficar paranóico com isso. Entrei na fila pra comprar as passagens, sempre tinha reparado no quanto as pessoas são esquisitas ao máximo no metrô, nunca pensei em ver um homem vestido de amarelo, verde, com um tênis laranja e um boné vermelho da Ferrari e ainda por cima usando um óculos de mosca. Não antes de começar a andar de metrô. Comprei as duas passagens. Três reais cada. Não acho caro pelo tanto de diversão que eu tenho lá dentro - do metrô... vagões e essas coisas. Mas os óculos de mosca sempre reclamam. Entrei na fila pra poder passar na catraca... o ser humano gosta tanto de retas que toda vez que se junta forma uma. Uma reta formada por humanos que gostam de retas, gosto de pensar por esse lado. Coloquei o bilhete naquele buraquinho - de colocar o bilhete, largue de pensar besteiras, tem coisas mais interessantes para enfiar no cú. Eu sempre me perguntei pra onde diabo vão todos os bilhetes que colocamos la dentro. Será que eles usam como combustível? Ou então moem toda aquela porra e colocam no hambúrguer do McDonald's... ou pior (melhor talvez), só reciclem aquela coisa, e fazem você pagar mil e trezentas vezes pelo mesmo bilhete. Não sei, não sei nem como cabe tantos bilhetes num buraco de catraca só. Deve ter algum portal ali...só pode!

Gosto de descer as escadas rolantes, sempre penso que sou um ser superior descendo à Terra para glorificar toda a raça humana com minha incrível sabedoria. Gosto de olhar o decote das mulheres que estão abaixo de mim. E de olhar as pernas das que estão acima. Gosto de encarar os que estão no contra-fluxo. E gosto de tocar guitarra imaginária enquanto estou na escada rolante. Devo Ser algum astro do rock numa descida apoteótica, com minha guitarra de ouro e pele de lagarto, e minha roupa cheia de cristais, descendo no meio do palco enquanto o público me ama. Gosto disso, pena que dura só trinta segundos essa tal descida. Logo que desci o trem já estava parando, e abrindo aquelas portas mecânicas que sempre me lembram algum filme de terror. Entrei - como sempre - na ante penúltima porta do primeiro vagão. Ela sempre me deixava exatamente na boca da escada rolante da estação que eu queria. O trem não estava lotado, mas tinha gente o suficiente pra ocupar todos os bancos. Até mesmo os preferenciais, merda. Sentar nos bancos preferenciais de metrôs e ônibus era igual a sentar no chão, ou comer de boca aberta. Todos sempre te olham com uma cara de nojo, ainda que não exista nenhuma lei que diga que é proibido, o mundo é louco, mas eu preferia ver o mundo louco sentado num banco azul de deficientes. Lembro-me de uma vez que me fiz de retardado mental para poder sentar num daqueles bancos sem nenhum olhar incriminador. Fiquei fazendo careta e puxando assunto com todo mundo, até me babei uma hora...não sei se eles caíram, um cara tão lindo como eu nunca poderia ser retardado, mas de qualquer forma, muitas pessoas riram (me incluo nessa, mas nunca mais vou repetir, já que uma senhora se ofereceu pra limpar a saliva que tinha escorrido pelo meu queixo, e ela passou a mão em muito mais lugares que meu queixo, todo o resto da viagem). Eu estava na linha vermelha, ou seja, a menos civilizada de todas - contando com o fato de eu estar num vagão cheio de frangos, civilidade não é algo à ser cobrado.O metrô estava rápido. Ou pelo menos na média de velocidade, naquela na qual ele sempre tem de estar, mas como quase nunca consegue manter essa velocidade, quando consegue, isso é como se ele estivesse rápido. A viagem na linha vermelha durou "apenas" meia hora. Ou seja, já eram nove horas. Me restava apenas mais uma hora para chegar na tal entrevista. Malditos americanos, e malditos os seus horários de merda.

Fiz a conversão para a linha azul. Essa é ligeiramente mais civilizada. As pessoas são um pouco mais educadas, e os trens fedem um pouco menos. Talvez pelo fato de serem mais novos, ou pelo fato de que essa linha seja quase toda subterrânea (enquanto a vermelha tem quase todo seu trajeto feito debaixo do Sol). Não sei ao certo, mas fato é que nessa linha eu me sinto um pouco menos desconfortável. É que eu tenho tendência a suar frio naquela chacoalhação toda. Muitas vezes me esforço pra não vomitar pela janela do vagão, porém na linha azul essa vontade diminui.  Mesmo assim, ainda parecem frangos. E eu tenho uma mania chata de contar quantas pessoas entram e saem do vagão a cada estação. Mas não dessa vez, eu tinha alguma coisa decente pra ler. Ler no metrô é difícil, além de ficar enjoado naquele diabo de lugar, é sempre apertado, sempre cheio, então tenho que fazer um esforço extra pra conseguir. Mas vale à pena, sempre vale. Andei umas seis estações, ou quatro, não lembro. Desci na estação Vila Mariana. Um saco de lugar, conheço muito mal aquele pedaço, mas de qualquer forma, tinha o endereço, então a única coisa que tinha a fazer era seguir caminho até aquele prédio. Sempre me imagino como um Indiana Jones nessas horas. Um aventureiro explorador, desbravando os perigos da cidade. Me defendendo com unhas, dentes e ipod dos batedores de carteira, usuários de crack e velhas que ficam no seu caminho não importa a sua direção. E sempre tem os checkpoints, onde eu salvo meu progresso - eu to falando dos pontos de táxi, postos policiais, botecos e qualquer outro lugar onde tenha gente que pareça conhecer o lugar, aí eu posso perguntar se estou na direção certa. E mesmo que muitas vezes eles me sacaneiem, eu ainda consigo me manter mais ou menos na direção certa.

O caminho foi tedioso, muito tedioso. Eu estava na calçada ao lado de uma avenida de quatro faixas, e seguindo sozinho pela calçada. Me senti como na cena de algum filme de velho oeste, quando o cara durão sai sozinho pelo acostamento de uma estrada no meio do deserto, com uma espingarda, um cantil, uma faca e uma pistola no coldre, só que minhas armas são diferentes, elas não atiram - que droga, não?. Mas logo eu avistei um monte de gente. E eu não estava exatamente perto, é que devia ter umas cem pessoas atulhadas na entrada daquele prédio. "Cheguei", pensei.  E realmente eu tinha chegado, só não esperava ver tanta gente lá.

Só que quando cheguei lá, ás nove e quarenta e cinco, descobri que meu horário era, na verdade, dez e quarenta e cinco, e não dez horas. E descobri isso do pior jeito, passando vergonha na frente de todo mundo, que novidade. Eu cheguei, e os instrutores que ficam na entrada do prédio estavam gritando "Quem está agendado para às dez horas, por favor, entrem nessa fila prioritária. Celulares, ipods, chaves, objetos cortantes e isqueiros não são permitidos!!" . Que ótimo, eu tinha todos esses objetos. Mas como tem gente esperta no mundo, tinham uns guarda-volumes ali perto (ao lado do prédio para ser exato), Cobravam dez reais a cada hora por um armário no qual mal cabia uma mochila, mas fazer oque? Era isso, ou tacar minhas coisas todas numa vala. Que seja, saquei o cartão de crédito e fui até a tiazinha, que ficava nos fundos do estacionamento/guarda-volumes, passei os dez reais. Ela tinha uma verruga meio esverdeada no nariz, que parecia uma bala de menta com pelos. Ela me conduziu até o armário numero 13 - se eu fosse um cara com superstições, iria começar a chorar nesse exato momento. Beleza, problema solucionado. Entrei correndo na fila, e esperei os seguranças me revistarem. Passaram o detector de metais em mim. Ele não apitou, mas os seguranças riram, e disseram que eu tinha habilidade em ser revistado. Na minha mente eu dei um murro no meio daquele nariz pontudo e torto dele. Lá dentro do prédio, outra fila, mas ali tinha umas ajudantes, umas meninas legais, vinham falar com você, e te mostrar quais documentos você teria de apresentar, e a ordem de cada um deles. Ela tirou uma folha daquele bolo de documentos, e por sorte eu tinha deixado a pornografia com cavalos em casa, aquela folha estaria junto com ela. Examinou a folha, e disse-me com a voz mais amigável que conseguiu "Senhor, seu horário é só daqui quarenta e cinco minutos". Puta que o pariu, pra variar, eu comecei tudo errado. Me dirigi a saída, e enquanto eu saía todo mundo ria de mim. Claro que tentando disfarçar, mas imaginem só, aquele louco que vive correndo e suado passando mais um vexame. Era tudo que eles queriam. Que seja, tinha quarenta e cinco minutos pra ficar torrando no Sol, não poderia querer outra coisa.

Nesse momento comecei a notar o motivo de todo mundo olhar pra mim e rir. Comecei a entender o motivo de ser - pra variar - a gozação das pessoas. Notei que todos ali eram bonitos, e estavam bem vestidos. Notei que todos pareciam felizes e ricos. E tinham roupas caras, sapatos caros, óculos caros. E tinham cheiro de perfume caro, eles tinham aspecto de serem caros. Tinham cara de serem as pessoas que limpam o rabo com notas de dólar. E eu estava mal vestido, suado, e ainda por cima tinha passado vexame. Aquele era o tipo de gente que não passava vexame. Os caras ali estavam usando ternos bonitos demais para passarem vexame. Tinham os cabelos arrumados demais para serem capazes de fazerem qualquer coisa vergonhosa. E as mulheres ali tinham vestidos, cabelos loiros, e classe. Até aquelas lindas crianças loiras dos olhos azuis tinham um toque de superioridade - eram o tipo de criança que aparece em comercial, mas que é esnobe até com os próprios brinquedos, aquelas crianças que tinham bicicletas de marcha.  Eu estava no meio de gente superior. Pessoas superiores nunca erram. E eu usava um jeans surrado, e um all star batido. Foi a primeira vez que senti vergonha de ser eu mesmo em algum lugar. A primeira vez que a minha roupa me deixou indignado. E eu tentava esconder meus sapatos, e tentava secar o suor, mas nada adiantava. Eu continuava sendo a piada. Tive que pedir pra tiazinha da verruga passar mais dez reais, pelo tempo do armário, já que iria demorar mais que uma hora até ter saído daquele inferno. O tempo foi passando devagar, e eu fui perdendo a graça para os classudos do lugar. Tinham entrado umas nuvens na frente do Sol, e graças a Goku eu parei de suar. Mas ainda fiquei com aquela sensação de estar pegajoso, e não me sentia muito bem no meio daquele povo que não sua e nem fede.

Os quarenta e cinco minutos se passaram, e os organizadores começaram a gritar "Todos que tem entrevista marcada para as dez horas e quarenta e cinco minutos, por favor, entrem nessa fila.  Celulares, ipods, chaves, objetos cortantes e isqueiros não são permitidos!". Beleza, dessa vez eu sabia meu horário. Sem vexame, eu espero. Entrei de novo, e estava esperando pra ser revistado pelos seguranças, com aqueles detectores de metais que mais parecem aspiradores de pó, daqueles que são portáteis. Quando chegou minha vez, o mesmo segurança que tinha me revistado antes foi encarregado de me revistar de novo. Que ótimo.

_E aí cara, é tua hora mesmo? - falou com um tom bem irônico
_É, acho que fiz uma confusão, não? - ser um cara legal, e deixar passar, é a chave pro sucesso.
_Qualquer coisa, a saída é ali, acho que você já viu. - todos que ouviram isso riram, corei na hora. E na minha mente, eu já tinha arrancado dois dentes dele com um soco, e colocado esses dentes dentro dos olhos dele. Mas eu prefiro esperar pelas minhas garotas bronzeadas, e embora arrancar-lhe uns dentes me pareça muito justo, tomar uns tiros por isso não me parece divertido.

Lá dentro eles olharam os documentos, fizeram uns rabiscos numas folhas que eu tinha impresso (nenhum cavalo), e me mandaram subir uma escada até o terceiro andar, onde seria feita a tal entrevista. Era uma escada pintada de verde limão. Os caras podiam entender de documentos, mas de cores... eu duvido. Quando cheguei no terceiro andar, vi que era só uma ampla sala com pequenas cabines onde os solicitantes eram entrevistados por pessoas atrás de vidros. As pessoas detrás dos vidros falavam por microfones similares aos usados por atendentes de cinema. O vidro era grosso, mas estava extremamente limpo. E tinha uma câmera posicionada num pequeno tripé, logo atrás do vidro, umas dessas Canon que os jovens usam pra tirar fotos e postar no facebook. Fui chamado pra cabine nº 16. Onde uma atendente surpreendentemente bonita me pediu pra sentar. Meu deus, que olhos incríveis, eram os olhos mais verdes e profundos que eu já tinha visto. E mesmo não estando muito interessada em mim, sempre que me olhava, eu sentia como se ela estivesse olhando minha alma, e lendo meus pensamentos. E aqueles cabelos castanhos, quase louros de tão claros que eram, lhe caíam perfeitamente, e o seu rosto tinha um contorno delicado, com uma pele delicada, e lábios carnudos, tinha um piercing no nariz que mostrava que ela não era totalmente divina. E a voz dela combinava perfeitamente com seu rosto, era a voz mais musical que eu já tinha ouvido. Ela era perfeita. E naquele instante, eu a amei, e tudo que eu queria era poder levá-la pra casa. Tê-la pra mim, e foda-se todas as garotas bronzeadas da Califórnia. Mas ela não deu a mínima pra mim, nem sequer me olhou direito. Fez algumas perguntas sobre meu tempo de estadia, meu retorno, o quanto eu ganhava, minha intenções no país dela, e todas essas coisas. Então ela tirou minhas digitais numa maquininha na qual eu não tinha reparado, e tirou também uma foto com aquela câmera. Depois disso, disse-me que meu visto tinha sido aprovado, e que sairia na semana que vem. Me devolveu todos os documentos que tinha checado antes, e simplesmente chamou o próximo. Ela nem me disse tchau. Pelo menos eu iria ter as garotas da califórnia pra mim. Todas elas, com seus corpos esculturais, eu era um cara de sorte...

Saí daquele lugar infernal - mesmo abrigando um anjo, aquilo era um inferno. E me fui direto para o guarda-volumes. Peguei minhas coisas todas de volta, e joguei a chave do armário nº 13 no colo da velha verruguenta. Fui direto pro metrô, sem nem olhar pros lados. No ipod tocava alguma música do Iron Maiden, ou era Justin Bieber? Lady Gaga? Manowar? não lembro, não prestei muita atenção, mas a letra dizia "Ai meu deus, que coisa louca, estou apaixonado pela a aeromoça, ela mexeu com meu coração, por favor piloto pare esse avião!", deve ser Chico Buarque, só pode. Cheguei no metrô e dei graças à Goku novamente por ter comprado duas passagens, não parecia ter nenhum banco por perto.

Fui direto pro centro da cidade. Tinha que ir na imobiliária pagar meu aluguel. O centro era cheio de bancos, e se eu sacasse o dinheiro lá, não ia precisar ficar andando com dinheiro por ai. Fui num banco mais quieto, nem fila tinha. Meu dia estava começando a melhorar. O cartão não foi aceito da primeira vez... e eu demorei um pouco pra reparar que tinha colocado a senha errada. Coloquei a senha certa, saquei o dinheiro, soquei tudo no meu bolso, e fui - como sempre - para um bar, mas não pra beber, só precisava ir no banheiro contar o dinheiro, não gosto de fazer isso em público, e em São Paulo, é pedir pra ser assaltado. Ok, entrei no bar, fui pro banheiro. Tinha aquele cheiro familiar. Uma mistura de mijo com um leve toque amadeirado de vômito velho e merda escorrida, não estava tão ruim assim.Contei o dinheiro três vezes, e arrumei as notas de modo que ficasse no bolso da minha calça, mas não aparecesse. Saí do bar sem pagar nada, e ouvi o dono resmungando alguma coisa sobre "Bêbado filho da puta que é enxotado dos outros bares e vem vomitar no meu". Nada anormal. Tinha que ir no prédio da imobiliária pagar o maldito (ou bendito) aluguel, e assim eu teria onde morar por mais um mês.

No meio do caminho um cara esquisito meio que brota do nada, põe a mão no meu ombro e pergunta:

_Onde tem um itaú? - ele era um pouco mais baixo que eu, estava vestindo uma camisa branca, calça social preta e uns sapatos esquisitos. Tinha um rosto bem normal, mas tinha os cabelos desgrenhados, me lembrou um pônei velho pelo jeito de andar - ainda que eu nunca tenha visto um pônei velho.
_Não tenho certeza, mas acho que na rua de trás deve ter um. - respondi tentando parecer o mais seco possível.
_Tem certeza? - tornou a perguntar
_Acabei de dizer que não... - ele não se tocou, e nem ia se tocar.
_Você mora aqui? - "caralho, um tarado, é hoje que eu morro", pensei.
_Não. - eu estava com um tom suficientemente mal educado pra ele se tocar.
_Onde você mora? - "É, eu vou morrer hoje"
_Longe.
_Muito longe? - nesse momento ele colocou a mão no bolso, pensei que fosse tirar uma arma e me dar um tiro ali mesmo, quase saí correndo. Era um celular branco, por sorte.
_Sim, bem longe.
_Tá indo pra onde agora? - eu tive que parar, encará-lo, fiz o olhar mais insano que consegui, engrossei e subi o tom da minha voz, e disse com - oque eu pensei ser - uma calma assustadora...
_Isso de alguma maneira te interessa?
_Não mas é que...
_Então cale a tua boca, e saia daqui, seu palhaço. - eu estava quase tremendo de medo. Puta que o pariu, é hoje que eu morro.
_Mas é que a moça me disse... eu... - e nesse momento ele estava com as duas mão segurando o celular, ele recuou, e eu vi o medo nos olhos daquele homem. Ele colou o celular no peito e abaixou a cabeça, e completou - eu só tava perguntando.

Aí o pônei velho simplesmente se virou, atravessou a rua, e começou a andar o mais rápido que pôde. Ele estava basicamente paralelo à mim, e eu o encarei por um tempo. Ele se forçava a olhar pro chão, mas de tempos em tempos virava a cabeça para me olhar, e cada vez que ele notava que eu o estava encarando tornava a olhar para o chão e acelerar o passo. Eu me senti por um momento o Chuck Norris. Nem tive que bater no cara pra ele sair correndo. Eu devo ser muito macho mesmo. Incrível.

_É cada louco que eu encontro - falei pra ninguém em especial, e ninguém me ouviu. Continuei andando até chegar a imobiliária. A parte mais legal de andar no centro não é estar no centro da maior cidade brasileira. É ver o quanto as pessoas são babacas no centro da maior cidade brasileira. Tem uns gritando, outros tocando violão, mais uns fazendo mágica, tem os pastores,  os fiéis, os casais, os mendigos, é tudo muito incrível. E todos são muito babacas. Agora eu entendo de verdade o motivo do medo que as pessoas sentem em relação a São Paulo.

 O Sol ainda estava alto. Era mais ou menos uma da tarde. Quando cheguei na imobiliária eu estava empapado de suor, ofegante e precisando urgentemente de um copo d'agua. Tomei um copo d'agua no bebedouro, e fui no banheiro lavar a cara antes de subir para onde era a sala na qual eu pagava o aluguel. Só quando olhei no espelho reparei que estava usando fones de ouvido, só que não estava mais ouvindo música. Eu devo ter alguns problemas, só pode. Guardei os fone no bolso e olhei meu celular. Nenhuma mensagem, ótimo. Sequei a cara e o pescoço com papel toalha, não foi uma ideia muito inteligente, ele se encharcou todo e se rasgou, espalhando pedacinhos de papel no meu cabelo e na minha orelha. Com um pouco de esforço eu consegui tirar todos os pedaços de mim. Subi pro escritório do cara que recebia os aluguéis, o cara era um gordo branquelo, que tinha cabelo só na lateral da cabeça, e por isso penteava para o centro, pra ver se escondia a careca. Ele falhou miseravelmente nessa tarefa. Ele usava uma camisa que parecia ser inicialmente ser feita de papel crepom azul claro, mas que estava agora azul marinho por causa do suor. Ele estava mais nojento que eu, disso eu tenho certeza. Dei-lhe o dinheiro e peguei o certificado de pagamento do aluguel. Por um mês eu ainda teria onde morar. Me despedi dele com um aceno de cabeça. Só quando eu saí percebi que não tinha falado sequer uma palavra com ele, coitado. Logo que eu entrei ele começou a conversar comigo, por um momento eu podia jurar que tinha respondido, talvez pelo fato dele não calar a boca. Ele falava por nós dois. Saí olhando pro céu. Não parecia que ia chover, pelo contrário, o Sol estava bem forte lá no alto.

Passei num boteco e tirei uma nota de dez do bolso. Eu tinha sacado um dinheiro a mais, justamente pra isso. Tomei uma lata de coca-cola, e comi um salgado. Tava morrendo de fome. Tomei a coca-cola e saí ás pressas do bar, eu mal podia esperar pra chegar em casa. E lá estava eu voltando pro metrô, um astro do rock descendo as escadas rolantes enquanto procurava nos meus bolsos os últimos cinco reais me que restavam. Fui pra bilheteria, que estava vazia, muito menos gente usa o metrô ás duas da tarde. Comprei meu bilhete e guardei os dois reais que me sobraram. Estação São Bento, fiquei esperando o metrô bem debaixo da placa que dizia "Sentido Jabaquara". Chegou o trem, e ele estava vazio, ótimo, eu precisava sentar. Minha lombar já estava doendo. Peguei o livro do Bukowski que estava na minha cintura desde que tinha pego minhas coisas naquele armarinho. Abrí-o em um conto. "Dor de vagabundo era o conto... não preciso dizer que foi um ótimo conto, preciso? Falava de um cara que era um poeta muito ruim, e não falava nada com nada, mas as pessoas o adoravam, Henry Chinaski, pra variar, não gostava dele e estava bebendo, e no final do conto ele acaba num bar, bebendo com uma mulher, que criativo. Fui para o próximo conto, "Não exatamente Bernadette", e depois mais um ... e eu estava no quarto conto quando reparei que tinha passado a estação Sé - onde eu tinha que ter voltado pra linha dos frangos vermelhos... ou linha vermelha dos frangos...ok, esquece. Estação Parada inglesa? Puta que o pariu, nunca tinha estado naquela estação antes, tinha pego o trem sentido Tucuruvi. ótimo dia. Desci, do  trem e fui imediatamente para o outro lado da estação, no sentido Jabaquara. Dessa vez, eu estava de verdade no sentido Jabaquara.

Logo que o trem chegou eu avistei um cara que não via a muito tempo, um colega de classe, um cara que sempre quis ser mais inteligente que eu, e nunca tinha conseguido. Diogo era o nome. Ele tinha uns dois metros, e era gordo, mas gordo pra valer... devia estar pesando uns cinquenta quilos... tão gordo que parecia que tinha dois pães no lugar onde deveriam ser bochechas. E ele nem tinha pescoço mais, ele parecia um dedão com cabelos. Ele ainda se vestia do mesmo jeito. Camisa polo com listras horizontais, que parecia que era justa por causa da enorme barriga, calças azuis de moletom, e um tênis de mola pra amenizar o impacto nos calcanhares e joelhos - eu não creio que o tênis ajudasse muito, uma dieta seria melhor. Ele me reconheceu, merda. Entrou no vagão junto comigo, e logo puxou assunto. Perguntou da minha vida, onde morava, se estava trabalhando... essas coisas todas, eu repetia as perguntas, e não prestava muita atenção nas respostas. A única pergunta que lhe fiz com real vontade foi quanto ao meu livro. Mostrei-lhe o livro, e perguntei se ele já tinha lido Bukowski, a resposta foi "Não tive a oportunidade". Depois disso, o papo morreu, e ele é o típico cara chato, só repete os assuntos, coisa de gordo isso. Logo ele me disse que tinha recém começado a fazer faculdade de filosofia. "Essa é a minha deixa", pensei. E então comecei a perguntar:

_De quais autores você gosta?
_Platão, Sócrates, Platão, Hegel, Marx, Kant...
_E Platão? Gosto de Platão, e você?
_Sim, eu gosto, e disse Platão...
_Não, não disse...
_Tudo bem, então.
_E Nietzsche? Já leu Nietzsche?
_Já, ele é legal.
_Claro que é, até Deus leu Nietzsche!!!
_Humm....- ele não entendeu, isso é natural...

Logo nós estávamos - como ele disse - discutindo de forma amigável. Ele queria me convencer do Marxismo. Ele é o pior marxista que eu conheço, bateu o recorde. O pior dos piores marxistas do mundo. Só eu tenho o costume de ler mar-chis-ta? Aí me vem a imagem de Karl Marx cantando uma marchinha de carnaval, usando uma máscara e tudo mais, cercado de mulheres semi-nuas. E a marchinha dele se chama "A Marxa com a Xuxa só para socialistas 5", mas ninguém precisava saber disso. Logo eu comecei a cortar o papo, disse pra ele que ele era ruim. E que era melhor ele ir estudar agronomia. Que se ele parasse de ler um pouco e começasse a pensar, talvez um dia ele conseguisse ser chapeiro no McDonald's. Ele ficou irritado comigo, com razão, eu acredito. Descemos os dois na Sé, e enquanto eu estava indo em direção  a escada rolante que faz a conversão para o sentido Inferno-Itaquera, ele foi pra saída. Ainda bem. Não merecia nem mais um segundo olhando aquele molequinho escroto, nem ouvindo a voz dele.

Encontrar ele fez eu me lembrar de uma boa época, ele ficava na sala, enquanto eu ia beber no banheiro da escola. Ou então matava aula pra ir beber. Ou então nem entrava na escola pra ficar vagabundeando na rua. Tirei aquele ano todo pra ser feliz, o ano que eu mais me diverti. Eu fui reprovado, é claro. Ele foi aprovado como o melhor aluno da sala. E, é claro, fez questão de me contar, mas quando ele me contou isso - numa festinha da sala -, eu estava tão bêbado, e tão enjoado, que por pouco não vomitei nos tênis de mola que ele usava. Ele sentia nojo de mim, mas tinha que tentar ser melhor... Pobre gordinho. "Diogordo" era como chamávamos ele, ou de Barney... ele parece o Barney. Eu nunca gostei de assistir Barney, sempre preferi os Teletons... não... Teletubbies... é Teletubbies.

Estava na plataforma onde se pegava o trem sentido Inferno-Itaquera. Fui pro fundo, pra variar, já que odeio pegar o trem no meio, e se eu embarcasse na frente, ele não iria me deixar onde eu queria. Penúltima porta do último vagão, foi para onde eu me dirigi. Quando eu cheguei lá tinha só umas quinze pessoas. E já eram quase três horas. Eu queria ir pra frente. Gosto de ser o primeiro a entrar no vagão. Passei na frente de uma tiazinha - crente, pela saia jeans e pelo cabelo comprido e amarrado num rabo de cavalo - devia ter os seus quarenta e cinco anos, e já era meio gorda. Quando passei na frente dela, ela falou alto, quase um grito:

_Isso, passa mesmo, me empurra, aproveita e se joga! - pobre crentelha, querendo me fazer passar vergonha.
_Mas eu só quero pular, ver se consigo chegar lá do outro lado! - e ri.
_Então vai logo, babaca! - tsc tsc tsc, não entendem.
_Se a senhora tirar a cara feia da minha frente eu vou - comecei -, mas antes eu preciso de espaço, senão eu não chego do outro lado num pulo só! - ri alto comigo, e dessa vez todos os outros que estavam perto riram comigo, menos um babacão de terno, que era calvo, e penteava os cabelos pro meio da cabeça (que nem o cara da imobiliária, aliás, eles devem ser irmãos, só pode!).

Logo o trem chegou - já era o sexto trem do dia, chega, né?. Quando fui entrar, o irmão do cara da imobiliária me deu uma ombrada, querendo me derrubar, ele quase caiu sozinho, então eu tive que comentar com ele:

_Se queria pular primeiro, era só falar, cara... eu não ia te impedir! - ri sozinho, de novo. Pelo olhar dele, eu vi que ele queria arrancar meu olho com uma colher, e enfiar na minha bunda.

Sentei no banco dos idosos, abri meu livro, e comecei a ler "O homem que adorava elevadores". Outro ótimo conto. Mulheres, bebida, sexo e um pouco de ironia, tava tudo ali. depois de ler esse conto eu só conseguia pensar no quanto um dia idiota conseguia ser ainda mais idiota. E quanto mais coisas você fazia, mais idiota ficava esse dia. Fui pra casa, tomei um banho, e fui dormir. Eram quatro meia. Tirei o despertador da tomada.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Pros que reclamam de má sorte...

Jim nunca gostou de carros, ou melhor, nunca teve a chance de gostar de carros. De motos ele gostava, mas os carros sempre o traíam. E não é pouca coisa... Jim já passou por mais incidentes envolvendo carros que aniversários. Nunca foi culpa dele, mas de certa fora, esse azar o acompanhava.

Sua primeira lembrança é a de um acidente de carro. Ele tinha quatro anos, e estava brincando no quintal de casa, na caixinha de areia dele, ele não saía daquela caixa de areia, parecia um gato.Quando um cara dentro de um carro azul marinho simplesmente capotou na frente de sua casa - ou pelo menos foi isso que Jim conseguiu ver. Ele não viu que o cara tinha atropelado uma moça no caminho. E também não viu que ele tinha tido uma briga com a mulher, e depois de ter batido nela, saiu pra beber e agora estava voltando pra casa com um buquê de flores. Mas de qualquer forma, não é a melhor lembrança pra se ter da infância.

Mas como tudo tende sempre a piorar para Jim, logo quando tinha acabado de completar sete anos, estava dentro do carro com seu tio, sua tia e um primo. Quando o carro pareceu virar uma sanfona, jogando Jim para um lado e pro outro, sucessivas vezes até o pobre garoto perder a consciência. Foi tudo que ele viu... mas não foi tudo que aconteceu, pra variar. Uma picape vermelha tinha entrado com força na lateral do carro preto que John - tio de Jim - dirigia. A picape vermelha tinha cruzado o sinal vermelho, e vinha com muita velocidade. E John teve o azar de estar passando no cruzamento errado, na hora errada - e com os passageiros errados. O carro vermelho capotou umas cinco vezes, segundo as testemunhas, enquanto o cara da picape não sofreu um único arranhão. Jim acordou pela primeira vez em um hospital. Sentia-se fraco, tonto e tinha a visão embaçada. Passou um dia inteiro inconsciente. Pelo menos ele acordou, o primo de Jim nunca teve essa oportunidade. Ele foi arremessado pela janela aberta, e em seguida esmagado pelo carro. Jim teve a sorte de não ter visto.

Passaram-se três anos sem acidentes, e Jim ainda não tinha um problema com carros nem nada, até gostava, mas apenas os de corrida, que não fossem azuis, nem vermelhos. Estava indo para a praia com seus pais - Mariah e Henry - no sedã prateado da família, quando o Henry, que estava bebendo cerveja desde de manhã, conseguiu atropelar uma velha que estava atravessando a estrada. Dessa vez Jim viu tudo, preferia não o ter feito, mas não tinha volta. O carro a tinha acertado no meio, e ela voou, quando Jim chegou perto, tudo que conseguiu ver foi sangue, muito sangue. Não sabia de onde vinha tanto sangue, a velha nem era grande, era só uma velha magrela e pequena, com um cabelo branco como a neve, e agora tingido de vermelho, que usava um poncho de lã azul e branco - era o tipo de velha que teria dado a Jim biscoitos e um copo de leite. Mas ainda assim, ela estava imóvel, e o sangue não parava de sair. Ela estava jogada numa posição estranha. O braço estava num ângulo que parecia doloroso. Jim queria continuar olhando, triste pela pobre senhora, mas ainda assim fascinado. Mariah levou Jim pro carro, enquanto Henry saía em disparada com o sedã que estava agora amassado. quando chegaram à praia não falaram nenhuma palavra sequer durante o dia todo. E quando chegou a noite, Mariah foi à cama de Jim conversar com ele. Disse-lhe que se alguém perguntasse, ele nunca tinha estado lá. E  que nunca tinha visto a pobre senhora. E que aquele amassado nunca tinha estado lá, também. Jim concordou com a cabeça, mas naquela noite não conseguiu dormir. Ficou pensando na cor rubra que tinha se apoderado dos cabelos cor-de-neve da pobre senhora que ele jamais soube o nome. E no poncho bonito dela, ele queria ter elogiado aquele poncho.

A frequência dos acidentes estava aumentando. Com onze anos, ele viu do banco da frente a mãe atropelar um homem. Estavam no mesmo sedã prateado. Era de dia, e eles estavam  na frente de um mercado movimentado. Mas podemos excluir a culpa de Mariah - dessa vez - aquele homem estava ensandecido correndo no meio da rua, e literalmente se atirou na frente do sedã em que estava Jim. De qualquer forma, dessa vez Jim viu de camarote o quanto o corpo humano era frágil perante um carro. E viu mais uma vez sua mãe chorar. Desceu do carro com pressa, com vontade de ver como estava aquele cara metido a fortão, que acha que pode parar um carro com os braços. Estava consciente, mas tinha uma fratura exposta na perna esquerda, no meio da canela, e estava com um corte na barriga, provocado pelo plástico dos faróis que se estilhaçaram com o impacto. Ele sobreviveu, é claro...mas sem aquela perna. E mais uma vez Jim não conseguiu dormir. Porém não se sentia culpado, não tinha nada que um garoto de onze anos pudesse fazer, só deitou, e ficou tentando imaginar o motivo que leva alguém a se atirar na frente de um carro.

Seis meses depois, estava voltando do enterro de um tio meio distante da família - que por coincidência - morreu também num acidente de carro. Quando Henry, ainda com os olhos turvos de tanto chorar pelo irmão, conseguiu meter aquele sedã prateado com força num muro. Jim estava dormindo no banco de trás, não tinha visto nada acontecer. Acordou com o impacto da própria cabeça no vidro do carro. Era o fim do sedã prateado, e de um dedo de Henry. E Jim começou a ter receio com carros... começou a ligar os fatos. Já tinha sofrido mais acidentes do que qualquer um da sua idade, e viu uns outros tantos... parecia que esse tipo de coisa o seguia. E não era totalmente mentira. O garoto tinha quase doze anos e sobreviveu a mais acidentes que os caras da Nascar, não era pra qualquer um...

Outro acidente marcante ele sofreu quando tinha quinze anos. Ele estava voltando de uma festa com os amigos, mais velhos, estavam todos bêbados, menos Jim, que não bebia, mas não podia dirigir. Eram cinco dentro do carro. Phill, o dono do carro, e motorista. Nathan, o bêbado chato. Robert, o metido a bonitão. E Finn, o engraçado da turma. Jim tava bem no meio do banco traseiro, sem cinto de segurança e cada vez mais preocupado com a imprudência dos amigos. Até que os maus pressentimentos se fizeram valer. Phill invadiu uma casa, quebrando a cerca, atravessando o gramado e só parou quando arrebentou a parede frontal da casa. Acabou com metade do carro na sala de estar de alguma família que estava dormindo. Foi uma confusão daquelas, mas nada incrível, a família acordando e correndo de uma lado pro outro. A cara daquela mulher, quando viu um carro na sala dela, foi impagável. Ninguém se feriu, e Jim, que tinha "previsto" o acontecido, já estava agarrado num banco naquela hora, sendo que foi o único que nem ao menos bateu a cabeça. Tiveram que pagar a fachada da casa, e reconstruíram a cerca, recolocaram tudo em seu devido lugar... tudo pra manter a polícia fora disso.

Até completar dezoito anos foi isso, Jim sofreu mais alguns acidentes. Ele geralmente não tinha nenhuma parcela de culpa, mas odiava entrar em carros. Outra coisa curiosa era o fato dele nunca ter se machucado com gravidade. Uns hematomas, uns arranhões, e certa vez quebrou um osso da mão, mas fora isso, nunca  se feriu com real gravidade nos acidentes. Diziam que ele tinha um anjo da guarda. Ele respondia sempre algo do tipo "Que anjo da guarda me põe em um acidente de carro a cada seis meses?". Todo mundo ria, ele não.

Como presente de aniversário, Jim ganhou de seu pai um carro. Ganhar um carro aos dezoito é o sonho de - quase - todos os jovens. Jim não queria o carro, mas de algum jeito foi convencido pelo pai. Henry disse-lhe que os acidentes aconteciam não por culpa dele, mas por culpa dos outros, e que como ele era uma pessoa atenta, nunca deixaria um acidente acontecer. Seu pai sempre conseguia convencê-lo. Aceitou o carro, e foi tirar a carteira de motorista. Ele dirigia incrivelmente bem para alguém que nunca tinha pego num volante. Tirou a carteira, e apesar de não gostar muito de ideia de ter que conduzir um carro por aí, admitiu sair com o carro de vez em quando. E a sensação de dirigir era ótima, a melhor que ele já tinha provado. Um misto de poder e liberdade... Ele, talvez, pudesse gostar daquilo.

Logo que saiu sua carteira, ele pediu pra levar o pai até o trabalho, e levou a mãe também pra fazer compras, e eles estava dirigindo cada vez melhor. Foi buscar o pai no trabalho, no mesmo dia. E foi buscar as roupas da mãe na tinturaria. Ele começou a gostar daquilo. Mas ainda ficava de certa forma receoso... e com razão, não é pra qualquer um passar a vida toda sofrendo inúmeros acidentes de carro, e ainda assim conseguir entrar em um... e ainda mais, dirigir um. Mas Jim estava se saindo bem.

Na semana seguinte teve um almoço, no domingo. Para celebrar o aniversário de vinte anos de casamento entre Henry e Mariah foi. Tudo aconteceu na casa de deles. Os parentes vieram de várias partes do estado, até aqueles que andavam meio afastados compareceram. Aproveitaram a data para se reaproximarem. E olhavam para Jim, agora um homem feito, e incrivelmente inteiro. Era de se espantar. A festa rolou bem, foi até tarde. Algumas discussões entre a família, nada de anormal. Mas logo já era hora de todo mundo ir embora. A despedida foi aquela coisa tradicionalmente chata... todo mundo dizendo que estava com saudade, e todo mundo marcando de se reencontrar, de fazer mais churrascos, de passarem o natal na casa de fulano... tudo o mesmo tédio de sempre. Quase todos tinham ido embora quando tio Charles disse que não tinha como ir embora, e que não podia dormir lá, tinha que acordar cedo pra trabalhar. Claramente Jim se ofereceu para levá-lo pra casa, era só uns 20km dali, nada demais. E eram dez da noite, a rua estaria vazia. Charles aceitou, claro. Como recusar a carona do sobrinho?

Logo saíram no carro de Henry, pois Jim tinha esquecido de abastecer o dele. Agora Henry tinha um sedã vermelho escuro, lindo. Com dois anos de uso... mas estava como se fosse novo, era a preciosidade de Henry. Charles, pra variar, puxou assunto:

_E aí, cara, você não tinha medo de carros, e essas paranóias? - começou
_Eu tinha, ou tenho, não sei direito...
_Mas você sempre teve um azar, hein, cara...
_Pois é, as coisas acontecem... mas nunca foi nada demais. E como você bem sabe, a culpa não foi minha.
_Em nenhum deles? só pode estar tirando com a minha cara, você deve ter alguma culpa no cartório!
_Olhe, tio, eu tô te dando carona, mas não abusa, tá?
_Oh, desculpa aí, cara... só estava descontraindo... Mas e aí, tá namorando?
_Não! - respondeu com tom de quem não queria mais conversa... seguiram calados pelo resto do caminho.

Jim reparou que o lado da cidade em que vivia Charles era meio vazio. E meio afastado. Nunca tinha ido a casa dele, era sempre ele que ia visitar, nunca o contrário. De qualquer forma, deixou o tio dele em casa, se despediu brevemente, e quando entrou no carro, ouviu da janela de seu tio:

_Cara, você tem que aprender a brincar... parece com a sua mãe! - Charles era um sacana.

Estava voltando pra casa quando decidiu parar pra comer alguma coisa, parou num McDonald's e fez seu pedido. Ficou impressionado com o fato de que as dez horas da noite de um domingo as pessoas ainda estivessem trabalhando em algum McDonald's. E ficou impressionado com o número de clientes... aquele lugar estava quase lotado. Fez seu pedido, e se dirigiu a uma das poucas mesas que encontrou vazias. Comendo calmamente, e pensando que mesmo estando num churrasco, a coisa que menos fez foi comer... isso é pros convidados. Comeu as batatas, e quando finalmente terminou, se sentiu bem, e calmo. Coisa que não sentia há alguns anos. Entrou no carro, e se dirigiu pra casa...

Viu um sinal vermelho, mas viu também que a rua estava deserta. Sempre soube que era perigoso parar nesse tipo de sinal, mas decidiu não dar sorte pro azar.

_É melhor eu parar, o carro nem é meu, e está no seguro - falou ele pro banco vazio ao lado. E logo que ele parou, um ônibus passou rasgando no cruzamento. Devia estar atrasado. Por pouco, muito pouco ele não sofreu outro acidente. O sinal ficou verde, e logo que ele começou a acelerar sentiu uma pancada na traseira de seu carro. Afundou a cabeça no volante, não perdeu a consciência, mas ficou ligeiramente tonto. Sentiu que tinha cortado o supercílio com o impacto.

_Ohhh merda! - gritou - tinha que acontecer comigo....

Saiu do carro cambaleando, e olhou ao redor, a rua estava vazia... que novidade. Foi o mais rápido que pode olhar o estrago que tinha feito no carro. O outro carro era uma picape velha, de um verde escuro e descascado. Ela tinha se afundado na traseira do carro. Quem dirigia era uma mulher - que novidade -, ela estava com a cabeça afundada no volante, e os braços de alguma forma abraçavam estavam presos ao volante. E o fato mais marcante era um caco de vidro verde enfiado no pescoço dela. Devia ser do tamanho de uma lente de óculos.

_Hora errada pra dar um gole no vinho, não? - comentou com a moça inconsciente.

O celular ainda estava no bolso, que milagre. Ligou para o primeiro número que consegui pensar. Olhou em volta enquanto o celular chamava o tal número. A rua não tinha uma viva alma. Quem atendeu foi a polícia. Uma mulher com voz mecânica e fria começou a falar:

_Alô? Central da polícia militar falando, como poderia lhe ajudar?
_Moça, sofri um acidente de carro, poderia mandar uma ambulância? Tem uma mulher ferida aqui!
_Qual seu nome, senhor?
_Jim... mas moça, mande a ambulância!
_Senhor, peço que não se desespere... Aonde você está?
_Eu estou no cruzamento da 5ª avenida com a 27ª rua...
_Vou transferir a sua ligação para o centro de emergências dos bombeiros, senhor, as suas informações estão anotadas.
_Moça, essa mulher tá morrendo! - desesperou-se - você pode mandar logo a ambulância?
_Senhor, você está me desacatando. Por favor, se acalme! -tentou apartar
_Mas, como eu posso me acalmar enquanto essa mulher está.... - parou de falar
_Senhor? .... Senhor? Você está aí, senhor?
_Esquece. Ela morreu, pra variar. Manda uma viatura que eu quero ir pra casa. - desligou.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Braços, pernas, penas e cartas.

Esse é o quarto mês que vou usar a grana que ganho jogando cartas pra pagar o aluguel. Eu não posso reclamar de pagar o aluguel com "dinheiro de bar", mas não me sinto confortável, parece que estou roubando de alguém, ou tirando comida da boca de uma família inteira. Talvez eu esteja, mas, antes a boca deles que a minha. E os caras que sustentam família não deveriam andar no tipo de boteco que eu vou. Se estão lá, sabem da encrenca que vão encontrar - eu, e os caras piores -, então, tiro esse peso de cima de mim. Eles merecem perder a grana, e eu jogo suficientemente bem pra poder ganhar deles.

Eu nem sempre vivi assim, eu trabalhava antes, era um "bom sujeito", não ganhava bem, e tinha um desses empregos dos quais nunca ninguém sonha em ter, mas ainda assim, eu tinha um emprego, uma vida, uma rotina, e essas coisas de gente normal... eu odiava. Trabalhava numa grande gráfica, eu era o operador da impressora maior daquele lugar, meu trabalho se resumia em apertar oito botões, puxar uma alavanca e retirar os banners, panfletos e qualquer coisa que saísse daquela coisa, e ai levar para um outro cara empacotar e jogar num caminhão... Como eu disse, um "empreguinho" que não tem nenhum tipo de emoção, mas ainda assim, eu fiquei nele por um bom tempo - cinco anos, mais ou menos -, e mesmo assim, nunca consegui gostar de nada que fazia durante o dia.

Aquela rotina me fez um cara deprimido e irritado. Conhecer a miséria humana me deixou assim. Todo dia, para ir trabalhar eu andava de trem, o pior lugar do mundo é um trem lotado às seis da manhã. Eu sempre ri da comparação que ouvi um dia, de que um trem era igual aos caminhões que transportam frangos... Nunca achei engraçado, pois é a mais pura verdade. Se você já viu um caminhão de frangos, vai entender tudo que eu estou falando. Num trem, os olhares são iguais aos olhares dos frangos quando estão nos caminhões... vazios, cinzas, sem rumo ou esperança, brilho, ou qualquer coisa que não seja só a resignação, e a coisa mais triste é ver esse mar de olhos perdidos logo ao acordar. E logo que o trem lota, a semelhança aumenta ainda mais, todos espremidos e reclamando, até que o trem vira um mar de braços, pernas - talvez penas - e olhos vazios. Todos indo para os seus empreguinhos medianos, todos se odiando por nada, mas ainda assim, nenhum deles faz nada além de aceitar o próprio "destino". E eu fazia parte desses frangos... Mas não faço mais!

Chegou o dia que eu cansei, cheguei naquele gordo que eu chamava de chefe, e simplesmente derrubei-o com um soco na cara, arranquei-lhe três dentes. Fui processado, e perdi, claro... aquele cara tinha mais advogados que jogador de futebol. Levou meu carro, e ainda me fez pagar pelos dentes que tirei, e ele fez questão de ir nos dentistas mais caros que conseguiu achar... Mas eu não ligo, toda vez que o via eu comentava sobre como o sorriso dele estava lindo, e fazia questão de salientar a palavra "sorriso". Ele ficava uma fera, mas sabia que nenhum dinheiro no mundo iria mudar o fato de que eu tinha lhe arrancado os dentes, e colocado de volta!

Obviamente fui despedido, e então comecei a andar pelos botecos, no começo foi só pra passar o tempo, nada demais, beber, conhecer algumas das problemáticas de bar - quase sempre bonitas e problemáticas - e talvez arranjar alguma boa briga com algum sujeito que tivesse dignidade de me dar um soco com força. E foi numa dessas noites que descobri que levava jeito para jogar cartas. Numa roda de jogo numa mesa engordurada e meio torta, e com gente que fede a cachaça e suor, no canto mais afastado e cheio de fumaça daquele bar  perto do mercado. Me chamaram pra jogar, e eu logo estava descolando uma grana com eles... no começo era só pra pagar a bebida, mas logo eu estava lucrando mais até que quando trabalhava, ainda que não fosse tão honesto, dinheiro é dinheiro,  e eu estava precisando dele.

Talvez o mais interessante de frequentar os mesmos bares, seja ver as mesmas pessoas, porém, diferente dos trens, nos bares você sempre vê as pessoas que possuem aquele brilho no olhar, aquelas que não devem sair durante o dia. O tipo de pessoa que não anda de trem é o tipo de pessoa que frequenta os bares mais sujos que você pode encontrar, e é o tipo de pessoa mais incrível também...Encontrei desde executivos de grandes empresas - algumas eram clientes daquele gordo - até mesmo algumas figuras que eram da televisão, mas que depois de velhos, foram jogados fora como lixo, assim como qualquer coisa que seja usada pelas pessoas...

Uma dessas pessoas era Suzane. A primeira vez que vi Suzane foi numa mesa de jogo, em uma noite na qual eu não estava lucrando bem. Ela se sentou, colocou a garrafa de cerveja na mesa, jogou vinte paus no centro da mesa, e tomou o baralho da minha mão. Embaralhou e distribuiu com destreza todas aquelas cartas. Na hora eu soube que havia nela algo especial, e eu teria de conhece-la. Lembro-me que ela era uma ótima jogadora, deu-me a melhor partida da minha vida... e por sorte - muito pouca sorte - ganhei dela. Fiz questão de gastar todo o dinheiro que tinha ganho naquela mesa com ela. Era o tipo de mulher que é difícil de dizer oi, e pior ainda de manter um assunto por mais de três minutos, tinha respostas curtas, grossas, e conseguia sempre me fazer parecer um bobo. Ironizava cada frase minha, mas nunca recusava outra cerveja, ou outra dose de uísque... bebida vai, bebida vem, e eu consegui conversar com ela.

Não era má pessoa, nem problemática - em parte -, tinha deixado um ex-namorado que era viciado em cocaína, e ia ser despejada no semana seguinte, tinha dívidas até o pescoço, e estava andando pelos bares pelo mesmo motivo que o meu, precisava de grana, e tinha ficado muito preocupada após ter perdido para mim... Isso significava que não teria dinheiro para começar as apostas na noite seguinte. Era mais uma perdida, que nem eu, talvez eu tenha visto isso no olhar dela, talvez eu tenha sentido que nela havia algo que eu não tinha encontrado em nenhuma outra pessoa antes...Ela possuía o brilho no olhar, sim, eu sabia!

Passamos a noite conversando, rimos bastante, ela abriu o jogo, contou-me toda sua vida - meu deus, não sabia que alguém com vinte e cinco anos pudesse ter tanta historia -, não sei se era tudo verdade, mas na hora eu estava encantado demais para pensar nisso. Ela fez questão de me ouvir também, não que eu tivesse muita coisa pra contar, e não sou muito bom com as palavras, mas ela gostou da parte de ter trocado meu carro por três dentes de um chefe presunçoso - ela colocou desse jeito, e eu gostei. Contei-lhe que nunca tinha tido muitas aventuras durante a minha vida (na parte amorosa, financeira, e em todas que eu consegui pensar), e que eu estava vivendo com dinheiro da jogatina, e que não era tão ruim, apesar do remorso que às vezes me deixava com pena daqueles pobres homens.

Logo estava quase amanhecendo, o bar tinha fechado, e nós estávamos sentados na calçada, tomando as ultimas garrafas de cerveja, e basicamente, estávamos naquela fase de "amigos de longa data em uma noite", quando o papo se resume nos "detalhes finais" e na despedida... combinamos de sair mais vezes, e jogarmos juntos, para assim ganharmos mais, e talvez, se nos déssemos bem, ela poderia vira morar comigo. Na hora, me pareceu perfeito, e pela cara dela, também, pois ela tinha perdido pra mim por detalhe, jogava tão bem quanto eu, talvez melhor, nós seríamos uma ótima equipe de dois...

Nós nos despedimos, e quando estávamos quase indo embora, nos beijamos. Foi um beijo natural, espontâneo, sem pressa, mas ainda assim, incrível. O beijo dela tinha gosto de cerveja e de paixão. Tinha emoção e vontade nele. Eu certamente nunca tinha beijado outra mulher assim... eu juro que senti meu mundo todo rodar. Eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas, meu mundo parou naquela hora, não sei se ficamos nos beijando por cinco segundos, ou duas horas, mas eu sei que não queria deixar ela ir, eu queria beijá-la pelo resto da eternidade. Mas, assim, meio de repente, o beijo acabou, ambos sentimos a vontade de parar, nos olhamos, e sem mais uma palavra, cada um foi pro seu canto.

Fiquei mais ou menos uma semana sem vê-la, eu tinha pensado nela todos os dias desde aquele dia, eu pensava nela incessantemente - ou pelo menos parecia isso -, será que aquele maldito beijo estragou toda a conversa? Será que tudo que tínhamos combinado foi jogado no ralo com aquele único beijo? Eu tentava me convencer que não, mas a ausência dela me dizia o contrário... Até que, meio do nada, ela aparece em um desses bares pelos quais eu andava lucrando mais, e começou a falar comigo como se já fossemos amigos de longa data, eu estranhei isso, mas de qualquer jeito, eu só tinha visto Suzane uma vez, e ainda que tivéssemos passado a noite inteira conversando, e que nossas vidas fossem agora um livro aberto, tinha sido apenas uma noite....

Suzane me puxou de canto, e começou a tagarelar - literalmente, abrindo a matraca - sobre como poderíamos lucrar mais, e em qual mesa, e com quais métodos, eu estava meio pasmo com a situação, mas "entrei no jogo" e comecei a negociar qual seria a melhor forma de lucrar como uma dupla. Logo decidimos que iríamos entrar no bar como desconhecidos, e iríamos, nos desafiar, e fazer subir as apostas, e a medida que mais pessoas fossem aparecendo, um de nós iria perder de forma humilhante - no caso quem perderia seria eu, pois ela dizia que um homem que perde fica sem honra, e uma mulher que perde ganha bebida de graça a noite toda, só ela riu da piadinha -, e que após perder, eu no caso, iria tentar recuperar meu dinheiro com apostas menores, e como eu teria perdido para uma mulher, eles iriam achar que eu não jogava nada, e logo iriam apostar comigo, e a partir daí, eu começaria a ganhar deles, até que eles apostassem tudo em nome da "honra de bar" deles - foi esse o termo que ela usou - enquanto isso, ela iria tentar a sorte com apostas menores por aí.

No começo da noite isso não funcionou tão bem, lucramos muito pouco no primeiro bar, só o suficiente para pagar as bebidas e começar as apostas no próximo bar. Era só questão de tempo, logo estávamos agindo como um time, e começamos a lucrar pesado a partir do segundo bar, e cada vez aparecia mais gente querendo ganhar daquela "mulherzinha que acha que joga", pobres homens, perderam tanto pra ela, que muitos foram pra casa após perderem todo o dinheiro que tinham na carteira. E os que não iam embora, tentavam recuperar jogando comigo, nada esperto da parte deles, eu tirava deles qualquer coisa que tinham, cheguei a ganhar um relógio de um cara meio louco. Muitas famílias ficaram com fome naquela noite, e eu não me sinto mal por isso. Fomos ao todo em cinco bares naquela noite, lucramos em torno de setecentos e vinte paus...isso era mais que meu aluguel! Antes da noite acabar, compramos dois fardos de meia dúzia de cervejas, e sentamos numa praça bem quieta para beber e conversar um pouco, tínhamos trabalhado demais naquela noite...

Jogamos papo fora por mais de uma hora, mas estava muito tarde - ou cedo, depende do ponto de vista - e eu estava caindo de sono, nos despedimos, sem beijo dessa vez, apenas combinamos de qualquer dia dessas jogarmos mais por ai, em outros bares, ela queria ir nos bares das áreas mais chiques da cidade, dizia que lá iríamos lucrar duzentos - ou mais - por mesa. Eu. claro, concordei, não era bom em discordar dela, tudo que ela falava parecia legal, e certo demais pra ser contrariado. Talvez fosse. Quando ela virou as costas e saiu andando, eu tive de ficar olhando até não conseguir vê-la mais, devo ter ficado mais de cinco minutos em pé, só olhando ela se afastar. E ela não olhou uma única vez para trás. Fui para casa, com o bolso cheio de dinheiro, e o coração cheio de esperança. Deitei, e dormi, deve ter sido a noite mais bem dormida da minha vida, pois quando acordei, eu era um homem novo.

Decidi não jogar naquela noite, tinha dinheiro suficiente, e não estava com muita vontade de sair de casa. Fui no mercado comprar comida e umas cervejas, eu já não cozinhava tinha duas semanas, e estava na hora de usar aquele fogão, e as panelas. Fiz um almoço decente pra mim, e queria Suzane lá, ela iria gostar da minha comida. Fui assistir televisão, e lembrei-me dos comentários que ela fazia sobre como a televisão era coisa de gente burra. Eu gosto de televisão. Passei o dia na cama, e dormi depois de tomar minha ultima cerveja.

Bom, gente honesta precisa trabalhar, e eu precisava voltar a jogar. Não era uma única noite que iria me fazer perder uma semana de jogo. E apesar de não ter muita vontade de jogar,  eu fui perambular pelos bares costumeiros. Joguei com as pessoas de sempre, que perdiam as quantias de sempre, mas que nunca aprendiam, ainda bem, era esse o tipo de gente que pagava meu aluguel. E eu suspeito que eles jogavam comigo mais pelo papo que eu proporcionava, do que qualquer outra coisa. Tem muita gente por aí que, igual a mim, não tem família, mas tem dinheiro, e não ligavam de perder dez ou vinte paus se fosse pra ter quinze minutos de companhia. Eu não tinha emprego, não tinha dinheiro, e não estava precisando de companhia. Bom pra mim, assim não tinha nenhum peso na consciência ao ganhar deles. E passou-se mais uma noite, mais duas, três noites. Logo completou mais uma semana que eu não via Suzane. Mesmo assim, eu continuava jogando, e lucrando o mesmo de sempre. Parece que eu tinha um novo emprego, só que esse deixava-me beber, e conhecer gente nova. Era muito interessante, eu até comecei a gostar dessa rotina, ainda que visse muita gente nos mesmos lugares todos os dias, essas pessoas eram mais dignas de estarem lá. Mas sem Suzane não era a mesma coisa, eu tinha visto ela duas vezes na minha vida, e parecia que ela tinha tomado as rédeas da minha vida.

Fato é que hoje faz um mês que não vejo mais aqueles olhos faiscantes, um mês sem conversas sobre minha vida, ou a dela. Eu já estou aprendendo a saber que nunca mais irei vê-la. E sabe, não é de todo mal, a unica vez que ganhei dela, fiquei sem minha grana. Eu ainda acho que ela seja um pássaro, desses mais bonitos, que saibam voar, e ela voou, viu que não tinha nada pra fazer aqui do meu lado.  E talvez eu seja um frango, não dentro de um trem, mas agora seja um cara com o olhar perdido que trabalha em um bar, ganhando dinheiro de gente honesta. Agora talvez eu entenda o motivo de tanta gente não ter esperanças. O motivo que faz as pessoas trabalharem em empregos que odeiam, viver vidas que as fazem sentir nojo. Eu agora entendo isso... Todos somos pássaros e sabemos voar, mas sempre tem uma pessoa que aparece, e nos rouba a vontade de voar. E por isso nós nos tornamos frangos, sem vontade de voar, nem de lutar, apenas deixando que cada dia passe, sem sabor, nem cor, e sem o aroma dos cabelos de Suzane.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Certas coisas não mudam, e eu gosto assim.

É quase dia das crianças, e mesmo sendo só uma data besta, o tema me fez refletir um pouco. Talvez seja a nostalgia de todos os dias da criança que eu vivi... (meu deus, foram tantos que eu nem consigo contar... com as mãos hahaha). É nesse dia que todos os pirralhos ganham brinquedos sem nenhum motivo aparente, e que todos os pais falam, uns pros outros, que logo logo o filho não será mais uma criança, que vai sair de casa. E essas coisas todas, mas não é isso que me interessa, não sou pai.

É que eu ainda me sinto uma criança. O mesmo moleque que corria com uma bicicleta vermelha pra lá e pra cá - bicicleta que foi ganha em um dia das crianças, nunca vou me esquecer dela, foi minha melhor amiga, e também nunca vou esquecer daquele cheiro de borracha e óleo que ela exalava quando andei nela pelas primeiras vezes - o mesmo garoto que passava o dia brincando de carrinho na terra, ou então num terreno baldio, ou com o meu cachorro, eu sempre estava brincando, sozinho, é claro. Eu era um garoto sozinho, não gostava daqueles outros garotos com os quais eu podia brincar, eram mais velhos, e chatos, e não me davam muita atenção, então me acostumei a brincar sozinho, ou quase - sempre tive minha bicicleta e meu cachorro . 

Não me sinto diferente de nenhuma forma, sou exatamente igual. Talvez mais alto, e com uma voz esquisita que não é minha, mas ainda assim, o mesmo garoto que brincava de lutinha com o vento, armado com um cabo de vassoura. E eu gosto de ser aquele garoto, com a mesma inocência, e tentando manter o mesmo jeito espontâneo de sempre. Aquela mesma afeição pelo mundo que eu tinha antes, eu ainda tento manter, mesmo que escondido em algum lugar dentro de mim, eu ainda gosto de ser aquele moleque sujo de terra . Mas eles não querem deixar eu ser esse garoto, dizem que não me pertence mais o mundo da infância, falam que agora tenho de me corromper, tenho que fazer parte do joguinho deles, ser um cara cinza no meio de uma cidade desbotada e suja, ser uma máquina, um robô, que vive na mesma vida pra sempre, que morre e ninguém sente falta. Mas não, eu não vou sucumbir, não vou deixar esse moleque morrer, não vou viver na merda que nem eles. Eu vou deixar essa criança em mim viva até o dia em que eu morrer.

Naquela época eu bem me lembro que eu era feliz. Talvez fosse feliz exatamente por ser uma criança mais sozinha, tudo com oque eu me preocupava era subir naquela árvore que tinha dez metros, ou correr tão rápido de bicicleta a ponto de ouvir o vento gritar aos meus ouvidos. Os dias passavam rápidos, e em geral eram felizes. Menos no dia das crianças - que ironia eu lembrar da felicidade justo na data que mais me desiludiu naquela época... e eu falando de época como se tivesse oitenta e três anos. Eu lembro que era quase sempre um dia de expectativa, todos na escola comentava tudo que haviam pedido aos pais, e que provavelmente iriam ganhar, enquanto eu mentia, dizendo que tinha pedido algumas coisas, e que já até tinha algumas delas. Quando em geral eu não pedia por vergonha, vergonha de ter que pedir presente enquanto meus avós não estavam lá com muito dinheiro. Mas mesmo assim, eu vagava pelos lugares onde eu devia brincar, mas sem o mesmo sorriso, eu queria que eles se lembrassem, e me dessem alguma coisa, eu queria que eles me chamassem, e me dessem um grande embrulho vermelho com alguma coisa que eu tanto queria, mas não acontecia. Era um dia de expectativas frustradas, e se hoje eu dou risada disso, é graças à criança que sou.

E, mesmo aos trancos e barrancos, eu ainda sou essa criança! Só mantenho esse meu sorriso, e esse tom sarcástico devido ao moleque que sou. E enquanto todas as outras crianças morreram, e deram lugar à pessoas esquisitas, perdidas e desesperadas. Que não tem rumo, e vivem por aí, bebendo e fumando até caírem pelos cantos. Enquanto todos os corpos infantis jazem pelos cantos, eu continuo a mesma criatura inocente, que luta nesse mar de apatia, usando piadas fora de hora, e uma desobediência espontânea. Tudo que faço é porque sou uma criança, tudo que sou é uma criança. E ainda assim, os cinzas querem me matar, e me dar um espírito novo, um igual ao deles. Mas eu sempre recuso, não quero ser assim. A vida que quero levar vai ser sempre essa brincadeira, essa piada. E eu não quero deixar de contá-las , e não vou, haha.

Só não vejo esse grande mal em ter ainda a criança em mim. Eu ás vezes pergunto pra alguém, de modo bem simples: "você é hoje, diferente de ontem?" ... A resposta é quase a mesma, usando aquele tom arrogante, gabam-se do seu tom de cinza... "Sou alguém mais maduro" , "Amadureci meus pensamentos" , "Não sou mais infantil, sou adulto!". Eu dou risada deles, bando de perdidos, querendo ser de novo criança, e não passa um dia sequer sem que se arrependam de terem se matado em troca de um terno e uma gravata. Não passa um dia em que eles não me odeiem por ter me mantido criança!

Como eu posso manter-me criança pra sempre? Haha, fácil. Ser criança é ter mais maturidade que todos eles juntos. Ser criança é mais difícil do que parece. Eu já não tenho meus carrinhos, e minha bicicleta vermelha foi roubada de mim à tempos. Mas ainda assim, eu sou criança. Poxa... eu ainda brinco, não mais com brinquedos de plástico. Agora meus brinquedos tem cor cinza, e se julgam maduros, maduros demais pra brincar, então quem brinca sou eu. E eu dou nos nervos desses meus brinquedos, e nenhum deles resiste a tentação de me dar uma bronca. Nenhum deles entendem que eu brinco com eles agora, os faço de fantoches, talvez assim, eu tenha sempre brinquedos, pra sempre. Não são os melhores, muitas vezes a carência desses brinquedos me dá no saco. Se eu não brinco com eles, eles correm atrás de mim, dizendo coisas que eu não entendo. Não falo a língua dos adultos. E nunca vou falar.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Que beleza de gancho!

Era mais um de ressaca na vida de Nick. Aliás, pensando bem., só mais um dia na vida dele. Pois de ressaca ele andava sempre, principalmente nesses últimos dias. Ele sempre ria, e dizia que pelo menos com a ressaca ele conseguia uma luta à altura. Ninguém dava risada. Não mais. Desde que começou a perder, Nick começou a beber diariamente. E muito.

Nick tinha 39 anos, e era lutador de boxe, ou oque sobrou de um. Ele foi um grande ídolo. Lutou com mais de trezentos caras, tendo perdido, até então dezenove vezes (nas contas dele eram vinte e duas). Nick começo a lutar com 18 anos, assim que se formou na escola, e desde então não fez outra coisa, nunca precisou arranjar um trabalho, sempre lutou boxe, que no fim, era oque ele gostava. E também, porque era meio burro, e não sabia fazer outra coisa.

Quando começou, Nick treinava com o velho James, um outro ex-ídolo do boxe, James tinha uns 60 anos, e era o melhor técnico que alguém podia ter, ensinou a ele tudo que sabia. Começou sua carreira em lutas clandestinas, lutando em ringues velhos, que eram colocados naqueles galpões que ficavam nas docas, ou em fábricas e prédios abandonados. Aquelas lutas eram horríveis. Os galpões eram todos empoeirados, escuros e sujos. E eles o obrigavam a usar luvas finas, eram tão finas que se podia ver as juntas por debaixo do couro surrado. E quando ele estava lutando, se sentia como se estivesse embaixo d'água, de tão mal que respirava... ele odiava aquilo. Estes eram lugares nos quais Nick não entraria de jeito nenhum, e só entrava lá pelo boxe. Era ruim, mas era um começo.

Mas, logo, Nick estava bom demais para as lutas de galpão. Nick tinha uma técnica incrível, e um instinto que só quem nasceu pra luta possuía. Tinha os jabs rápidos, e sempre parecia ter uma nova sequência de golpes prontas, e andava com destreza no ringue, parecia deslizar... suave e rápido, e mesmo assim sem pressa nenhuma, e aquele gancho... meu deus! Era o gancho mais lindo que já existiu. Tinha uma precisão milimétrica, e uma força capaz de derrubar uma porta, uma beleza de se ver. Ele quebrou o queixo de mais de dez caras, antes mesmo de sair das lutas de galpão.

Certo dia, um cara chamado Barney apareceu pra ver Nick lutando, as lutas de galpão eram clandestinas, mas eram bem conhecidas pelos olheiros... Esses abutres sempre de olho em novos talentos, sabiam de toda e qualquer luta que rolava na cidade. No dia que Barney foi lá, Nick ia lutar com um cara 25kg mais pesado que ele. Uma luta arranjada, depois que Nick discutiu com o grandalhão num bar, e prometeu quebrar a cara dele no ringue. Nick brincou com o cara por dois rounds, e depois deu os dois passinhos curtos pra esquerda, e soltou aquele gancho. Derrubou o grandão como se fosse uma criança. Nick mal tinha suado, e o grandão já estava inconsciente na lona. Depois da luta, Barney foi ao vestiário, chamou Nick, e ofereceu-lhe uma luta profissional, de verdade. Valendo cento e cinquenta dólares só pra subir no ringue, com adicional de cem se ganhasse, e mais cinquenta se fosse por nocaute.As lutas no galpão pagavam vinte e cinco pro vencedor e adicional de cinco por nocaute, era uma merreca. Nick aceitou na hora, não só pela grana, mas porque enfim tinha chegado a hora. Ele tinha a oportunidade de lutar para um público decente, num lugar decente...

A luta seria no mês seguinte. Dali a exatos vinte e um dias. Seria num ginásio grande, no centro. capacidade para cinco mil pessoas. E provavelmente estaria lotado, seria um grande dia para os apostadores e golpistas.  Barney disse que pra Nick que ele ia lutar contra um cara forte. Cartel 12-4. Nada mal, pensou... e ele já tinha visto o cara lutar antes, era lento, pesado. Não sabia andar no ringue, e batia mal. Só teria que tomar cuidado com aquele direto de esquerda... Era o único golpe decente dele. Por precaução, ele dobrou os treinos. estava treinando seis horas por dia, estava alucinado pela ideia de lutar como profissional. James - o técnico - dizia pra ele maneirar... Mas Nick não lhe dava ouvidos... Treinou todos os dias, durante dezenove dias. Até que James o convenceu a descansar dois... Nick tava afiado, confiante e forte, se sentia como se pudesse derrubar um touro com um só golpe, e eu não duvido que ele pudesse.

No dia da luta, ele foi cedo pro ginásio, chegou lá cerca de cinco horas antes, andou pelo ringue - que ficava sempre montado - conheceu as arquibancadas, os vestiários, comeu um sanduíche, e foi tirar um cochilo. Duas horas antes da luta, ele já estava preparado, estava se aquecendo no saco de pancadas que ficava no vestiário quando Barney chegou, com aquele jeito esquisito dele.

_Tá pronto Nick? Já se arrumou? Como estão as luvas? Tá com sede? Precisa de alguma coisa? - Ele flava de um jeito frenético, paranóico, era horrível de se ouvir.
_Calma, caralho! Tô quase pronto mano, só não me apressa - respondeu com raiva. Barney lhe dava no saco.
_Ohhh! Me desculpe, eu só... é... desculpe - e saiu apressado. Aquele cara era estranho, pensou. E voltou a se concentrar pra bendita luta.

E então, na hora marcada, Nick ouviu pela primeira vez o auto-falante do vestiário. Ele nunca se esqueceu daquela voz...

_No canto direito, de calção vermelho, com cartel de doze vitórias e quatro derrotas, John "The Hammer" Francis! - John "A mula" Francis, pensou Nick, burro e lerdo, que só sabia coicear... Realmente uma mula.... Então ouviu os aplausos e gritos quando John subiu no ringue.

E então volta a ouvir os auto-falantes:
_E no canto esquerdo, de calção azul, nosso estreante, Nick "Eagle"!
_Que porra é essa? Quem colocou essa porra de nome ali? - Resmungou Nick enquanto se dirigia ao ringue. Subiu no ringue, e o ginásio todo gritou, urrou e vaiou... Tudo ao mesmo tempo. E ele se maravilhou com aquilo. Ele mantinha o olhar confiante que sempre ostentava, mas agora com um brilho renovado.

Chegou o árbitro, um cara magrelo, com um nariz grande, fino e arrebitado. Um cara engraçado e desengonçado. Soltou a mesma ladainha de sempre:
_Quero uma luta limpa! Sem mordidas, sem cabeçadas, sem golpe baixo... Toquem as luvas e se afastem!

Então Nick começou a sentir o ringue novamente, porém, dessa vez, o ringue tinha uma força diferente. Ele era mágico. Sentiu as luvas, novas e brilhantes, com o couro ainda brilhoso, e sentiu as sapatilhas, confortáveis, amarradas de um jeito perfeito. Aquela era a noite dele, e de toda aquela gente assistindo, agora um pouco mais calmos, prestando atenção nele. Ele sabia da ansiedade de todos. Queriam ver um show. Eles teriam um show....

John estava indo em direção a Nick, querendo acabar logo com a luta. Mas Nick administrou os primeiros golpes desferidos por John, e então começou a andar,  fazendo círculos ao redor de John, soltando sequências rápidas de jabs e diretos. Apenas espreitando, mas ainda maravilhado com aquilo tudo...

Ele estava cansando John, e estava conseguindo. O cara não tinha um preparo físico igual ao dele. John não tinha treinado o quanto ele tinha treinado, jamais conseguiria acompanhá-lo. Ele continuava soltando sequência atrás de sequência.  E parecia que a luta iria acabar no primeiro round. Quando John meio ás cegas soltou um daqueles coices de mula dele, com a mão esquerda, que acertou Nick direto na orelha. Nick foi à lona, e todo o ginásio quase veio à baixo, achando que a luta já tinha acabado. Mas não, ele ainda estava acordado, e totalmente consciente, ele só tinha caído pela força do golpe, porém, nada demais, ele não estava nem tonto. Se levantou - calando o ginásio - e por estratégia esperou a contagem chegar a oito. Então mandou o árbitro seguir a luta, coisa que não adiantou muito. Só faltavam dez segundos para o fim do round. Soa o gongo.

 John vai cambaleando para o canto onde está seu técnico. Enquanto Nick , que mal tinha suado se dirige ao canto onde estava James, com aquela mesma cara de desesperado de sempre. James falou algo sobre movimentação e atenção, e algo mais sobre evitar aquele bendito coice de mula. Mas Nick não parecia ouvir coisa alguma, ele agora só queria terminar a luta, o povo já tinha tido show o suficiente, o gran finale teria de ser agora. John não tinha parado de encará-lo durante o intervalo, quase não conseguiu ficar em pé, pobre homem, era só o primeiro round e já estava em farrapos.

Soa novamente o gongo, os dois voltam ao centro do ringue, Nick agora parecia mais sério, mais centrado na luta. Começou a movimentar-se de forma ágil, e desferindo golpes apenas para manter a distancia, nada forte, porém era muito rápido, quase hipnótico, um boxeador incrível, naquela noite, eu diria, insuperável. Então, após desviar de alguns golpes de John, e fazer aquele coice de mula passar assobiando perto da orelha, Nick fez tudo que mais adorava fazer...

Foi uma cena épica, que ficaria marcada pra toda a eternidade, não só para Nick, mas todos os presentes ali, jamais conseguiram esquecer a cena. Nick deu os dois passinhos rápidos pra esquerda, mediu a distância visualmente, e soltou aquele gancho, direto na ponta do queixo de John, com toda a força que tinha, meu deus, era simplesmente perfeito, como um bote sorrateiro de uma cobra, rápido e mortal. John caiu na hora, duro, sem nem esboçar reação, desmaiado pela força surpreendente do golpe, e não levantou dali até o fim da contagem. E o ginásio ensandecido urrava, assobiava, uns outros tantos desesperados, parecia que iam todos se matar. Aquilo estava uma loucura. Era a primeira vez que Nick tinha feito aquilo, porém, não a ultima.

Depois desse dia em questão, a vida de Nick passou por ele basicamente como um borrão, tudo que fazia era treinar e lutar aos fins de semana, na época, quase todo fim de semana, e logo que James morreu, ele tratou de arranjar toda uma equipe, ele tinha cinco técnicos, todos incríveis, não como James, porém ainda assim, caras incrívei. De vez em quando aparecia na televisão, ou tinha alguma matéria publicada no jornal, com ele na capa da parte dos esportes, geralmente com o título de "O maior boxeador que já se viu". Mas, ele aproveitou cada segundo, dentro ou fora dos ringues.

Dinheiro não era mais problema, ele brotava de todos os cantos. Comprou uma casa grande pra família, e uma maior ainda pra ele, tinha até uma academia dentro de casa. Tinha cinco carros, e umas outras tantas motos. Gastava dinheiro com festas que ele não ia, com mulheres que não eram pra ele, com bebidas que ele nem queria. Nick nunca foi apegado ao dinheiro mesmo, então deixava quem gostava do dinheiro usá-lo. Casou-se algumas vezes, mas era um cara meio apático, então seus casamentos nunca duravam mais que um ano, ou seis meses. E assim foi, pelos anos seguintes. Sempre cercado de um monte de gente que ele não sabia o nome, e de mulheres que lhe causavam nojo. Mas era tudo pelo boxe.

Logo que fez trinta e sete anos, Nick foi avisado pelo seu empresário - que ele não sabia o nome, pois ele trocava quase todo mês de empresário, bando de ladrões - que logo teria de se aposentar, já não era um garoto prodígio, e estava cada vez mais fora de forma, e que com quarenta anos a aposentadoria seria compulsória. Então Nick lhe disse que iria parar de lutar boxe apenas morto, ou aleijado. Não tinha escolhas. Não podia parar. Mas o empresário alertou-lhe que logo, ele estaria velho demais, e seria descartado, como todos os outros tanto que Nick já tinha visto serem colocados de lado, sem nem mesmo um adeus.

Pouco depois disso, Nick entrou numa fase ruim - pelo menos era oque ele pensava - perdendo muitas lutas, engordando, e não conseguindo mais respirar direito. Se sentia como se estivesse com dezoito anos, lutando num galpão. Porém, era a idade, ele sabia...

Quando começou a perder, foi logo esquecido, quem iria querer um velho ídolo gordo e flácido? Ninguém o queria mais. O número de lutas começou a cair drasticamente, ás vezes passavam-se meses sem um luta. Mas Nick ainda queria lutar, e vivia desafiando os mais novos, os calouros, porém aqueles moleques metidos riam-se de Nick, e chamavam-no de "A Múmia de luvas". Nick sabia que tinha acabado, seus anos de glória se foram. Ele tinha de entender, mas não conseguia. Logo que se aposentou, Nick começou a beber, algo que nunca tinha gostado, mas a questão não era gostar, ele não conseguiria aguentar o tranco sem o boxe. Ele agora tinha o uísque, a vodka, a tequila, e tantos outros a disposição. Começou a praticamente viver pelos bares. Quase uma figura mítica nos bares da área industrial. Onde crescera, e fora criado até entrar pro mundo do boxe.

Passou o tempo, e ele não conseguia mais se erguer. E aquele dia de ressaca parecia estranho, tinha um sentimento diferente. De qualquer forma, não iria ficar em casa, aguentava aquele maldito lugar cheio de lembranças. De uma época em que ele era aquilo que gostava de ser, de uma época que tinha passado, e não iria voltar. Não. Ele precisava ir pro bar, o mesmo de sempre, com as garçonetes de sempre, e a bebida de sempre. E junto, as memórias de sempre.

Pegou o carro - já tinha se livrado dos outros todos - e seguiu pro bar, foi contemplando o caminho, apreciando a vista, e cada segundo até o bar parecia se arrastar. Logo que chegou ao bar, foi reconhecido por todos que ali estavam. Os companheiros de bebedeira. Ele fez um comprimento com a cabeça, e sentou-se na mesa dos fundos, a mesa de sempre. Logo Julie trouxe-lhe a bebida. Duas cervejas e uma dose dupla de Jack Daniels. E bebeu, ficou cerca de umas três horas ali no canto, bebendo um pouco. então depois de terminar mais uma rodada, pagou outra pra todos e foi no banheiro, precisava mijar. Foi direto ao banheiro, tinha aquele cheiro familiar de urina velha e vômito, nada que ele não aguentasse. Mijou, e voltou pra mesa de sempre. Mas quando chegou lá, tinha uns dois caras sentados no lugar, eram grandes e fortes, eles tinham cara de quem gostava de arranjar briga. Nick não gostou deles. Logo pediu:

_Vocês, por favor, poderiam me dar licença, eu estou nessa mesa.- realmente num tom educado. Não estava afim de brigas, nem discussões, e muito menos de ser colocado pra fora do bar, e ter que achar algum outro.
_Vá te foder, babaca - foi a resposta de um dos dois caras - Vá achar alguma outra mesa, nós estamos nessa.
_ Eu realmente prefiro que vocês saiam da minha mesa, eu já estava nela, quero é que vocês procurem alguma outra mesa. - Tentando manter o tom calmo,  Nick prosseguiu - Eu pago uma rodada pra vocês, mas me deixem na minha mesa.
_Ihhh, olha só, é o Nick, aquele idiota fracassado, eu perdi 50 dólares por tua culpa cara. Tu é um filho da puta, imundo, escroto. Uma lenda morta, que nem merecia ser chamado de lenda. - exclamou o que tinha cara de mais novo. e se levantou.
_Olhe, me desculpe, mas boxe é assim, um dia se perde, outro dia se ganha, e no outro você só quer, a porra... da mesa... pra poder beber! - Nick tinha se enfurecido com os insultos do rapaz.
_Ei cara, eu quero minha grana de volta, seu babaca. Você fez eu perder, e agora vai me pagar, é assim. Ou você paga por bem, ou eu faço você pagar. - E o mais novo foi pra cima dele, enquanto o outro continuava sentado.
_Pagar pelo quê? Tu que apostou, era tua grana, não pedi pra apostar em mim. Se eu perdi, desculpa, mas não vou te pagar. Babaca!

Logo que terminou a frase, o cara se jogou pra cima dele, tentando acertar-lhe no nariz com um soco meio sem jeito, Nick , quase rindo desviou do golpe, e deixou o rapaz esmurrar o vento. Mas logo o rapaz voltou, querendo acertar dezenas de golpes, entre socos e chutes, mas todos em vão, logo o pobre rapaz estava cansado, e não conseguia sequer respirar. Nick simplesmente com um soco no estômago o derrubou.  O  tal rapaz caiu se contorcendo e chorando, era de dar dó. Nick ficou ali em pé, parado e olhando, enquanto todos no bar estavam absortos com o acontecido. Tinha sido tudo muito rápido, e ninguém se metia nessas brigas, nem mesmo o dono do bar. Era uma coisa meio pessoal, e o dono daquela bodega gostava das brigas, atraíam a clientela, e contanto que não quebrassem nada, poderiam ficar ali se estapeando o dia todo.

Oque Nick não viu foi o outro rapaz chegar por trás dele, enfiar um canivete na barriga dele, e puxar pra cima, abrindo-lhe um rasgo na barriga. Nick teve apenas tempo de virar, olhar para o cara que tinha lhe confinado à uma morte súbita, dar dois passos rápidos pra esquerda, e dar-lhe o golpe para o qual tinha nascido. Com uma força que ele não sabia de onde tinha vindo, desferiu o último gancho de sua vida, outro golpe perfeito que acertou a ponta do queixo daquele pobre rapaz. O rapaz, claro, caiu no chão desmaiado, com o canivete ensanguentado ainda na mão, porém agora desacordado.

A visão de Nick se turvou, e ele caiu. Tudo estava embaçado, o teto do bar parecia se mover. Ele sorriu consigo mesmo no meio daquela dor, e pensou:
"Ainda tenho o gancho mais perfeito do mundo".

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Homenagem pra quem merece!

Hoje, Stevie Ray Vaughan estaria fazendo 58 anos. Ele é um dos caras que ainda deviam estar aqui, mas por uma fatalidade, não está mais. É uma pena, porém, não está.

Ele era um guitarrista excelente. Colocava o Hendrix no chinelo, e nenhum dos caras de hoje é páreo pra ele. Sou sim um grande fã, mas mesmo quem conhece pouco da obra dele tem que admitir, que se não "o melhor de todos os tempos" ele é um dos melhores. 

Ele além de tocar pra caralho, era um frontman de primeira, cantava, dançava, subia na guitarra... literalmente, fazia e desfazia nos shows. Com solos extasiantes e incríveis.... um artista completo. 

Não precisava de letras pra mostrar sentimento. Mesmo sem letra, ele dizia mais nas músicas que muito poeta por aí. E é por essas e outras que Stephen Ray Vaughan já faz parte da minha playlist. E não vai sair dela nunca.

Essa homenagem é pequena e simples, e ele merece muito mais que um texto pequeno assim. Mas eu não podia deixar passar totalmente em branco esse dia.

Ps: She's My Sweet little thang
     She's my pride and joy.
     :)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Como você não aprende com o erro alheio?

"Já sei, tive uma ideia! Vamo invadir a Rússia" - Disse o amigo da foto acima.

Porra, Hitler! Deixa de ser burro cara! Se não leu sobre aquele grande cara chamado Napoleão? É, ele tentou isso, e não deu muito certo... e eu tenho certeza que você leu sobre ele... um cara culto que nem você... Mas, mesmo assim, não conseguiu aprender com o erro do cara, tinha que ir la fazer merda, né? Palhação... ninguém mandou.... Mesmo com essas loiras com as tetas de fora te achando muito gostoso, mesmo você sendo o Fuhrer e tendo seu exército.... Se fodeu igual a Napoleão.

Ok, agora falando com um pouquinho mais de seriedade (pouca coisa...). Eu reparei que as pessoas não conseguem aprender com o erro dos outros. E eu vejo isso todo dia, toda hora. Eu leio sobre isso... e nada das pessoas atinarem. Agora... só me falta entender o porque disso. Não seria mais fácil prestar um pouco de atenção à volta, e ver os erros dos outros e ai falar:
 "Porra, isso aí não é divertido. Melhor eu não fazer.", ou então algo mais sóbrio, do tipo: "Cara, isso aí é errado... Se eu fizer isso dá merda, pelo menos agora que ele fez e eu vi que é ruim, eu não faço mais". Não seria um mundo mais fácil se as pessoas fizessem isso? Não seria de (algum modo) produtivo pra sociedade que as pessoas prestassem atenção, mesmo que pouca, ao seu redor? Iria - e eu tenho CERTEZA - facilitar muita coisa.

A questão não está em "Não cometer nenhum erro", se eu falasse isso seria estória da carochinha... Errar não é de todo mal, até tem alguns erros que fortalecem o caráter. Cair de bicicleta, subir e depois escorregar de uma árvore, colocar as boias de braço nas pernas pra tentar andar na água e quase se matar afogado, a primeira ressaca... Tudo isso te ajuda a ser uma pessoa melhor, te ajuda a entender como o mundo funciona... Te ajuda a ficar esperto pros próximos erros, que seriam difíceis de serem previstos se você não tivesse cometido alguns erros antes. O problema está depois que você erra, e aprende com os SEUS erros, porque com os teus erros você aprende, agora... com o erro dos outros, parece que você é cego. Parece que não consegue ver quando o cara faz uma merda que logo logo você vai fazer (ou pode um dia fazer). Com o erro do coleguinha do lado você é Stevie Wonder (cego, mas ainda assim sorrindo, cantando e tocando piano).

Hoje por exemplo, voltando da escola, ainda rindo de uma aula interessante que tive... Vi um cara no metrô, o cara era magro, tinha um metro e oitenta, cara de urubu. Ele tava lendo revistinha, quando o metrô parou e ele quase caiu no chão, se eu não o tivesse segurado, ele teria ido direto com aquele narigão fino dele pro chão sujo. Ok, ele não prestou atenção... Depois de duas estações, um cara que estava do outro lado caiu no chão quando a porra do metrô parou... Ele caiu com as pernas pra cima... e eu não sabia se dava risada ou se ajudava ele. Eu o ajudei, sem deixar de rir. Mas a grande sacada veio depois que eu saí do metrô, refletindo sobre o ocorrido... Eu me lembrei do cara que beijou o chão rindo do outro que tinha cara de urubu por quase ter caído... e ainda assim, ele conseguiu se estabacar no chão... Fazendo um resumo de tudo. Mesmo o babacão tendo visto o outro quase cair por não se segurar, e mesmo ele sabendo que quem não se segura cai, ele não se segurou e caiu... porque não sabe prestar atenção... E eu chamando o Hitler de burro.... Hitler só invadiu a Rússia uma vez, eu aposto que esse cara anda de metrô a vida toda, mas mesmo assim não conseguiu aprender....

Sei lá, talvez seja arrogância né?
_Não acredito que ele pôde ser tão estúpido a ponto de fazer isso, eu nunca faria tal coisa. - Diz um sujeito
E  aí, cinco minutos depois está o sujeito fazendo igualzinho. Porque ele pensa que quando os outros fazem merda, eles são burros, mas quando ele mesmo faz merda, ele é humano, e não uma máquina. E ele pode falhar (blábláblá). 

Talvez eu mesmo faça isso. Eu só não faço mais com tanta frequência, talvez eu passe tanto tempo olhando pras pessoas, que eu tenha aprendido a vê-las, e não só olhá-las. E agora que eu presto atenção no quanto até o mais inteligente deles é babaca, eu tenha deixado de andar igual eles, tenha deixado de viver igual eles...Talvez eu nem fale mais a língua deles, porque até a linguagem desses caras me parece babaca. Porquê É BABACA! É só olhar pro lado, marmanjões de vinte anos brincando de abaixar as calças uns dos outros, e rindo feito retardados...

Más tá ai uma coisa que não muda. As pessoas não vão mesmo aprender com o erro alheio, elas mesmas vão ter que sofrer. Ter que se foder dez vezes pra aprender. E eu aposto que daqui a 100 anos mais alguém vai tentar invadir a Rússia, mesmo com os outros dois tendo caído por causa dela, daqui um tempo vai mais um babacão tentar invadir a Russia, e aí quando ele se foder, vai dizer: "Que peste! Porquê eu fiz isso?, aquele carinha que fazia churrasco de gente, e o outro que tinha um cavalo branco que era marrom já se foderam, mas mesmo assim, eu fiz merda... devo ser muito babaca"

Ps: Mesmo sabendo que os caras vão errar - pra sempre, por coisas babacas - eu não vou avisá-los. Talvez eles mereçam.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Por quê diabos você para de conversar pra começar a filosofar?

Arte e ciência.... Filosofia. Sempre ligadas, mas por alguma desventura, ainda assim separadas.

Realmente, algo que vem me entristecendo muito, é o fato de que quase todo bom filósofo (dos poucos que li, e de alguns outros que ouvi falar) para de conversar pra começar a fazer filosofia. Isso é - não somente triste - mas revoltante. Qual problema em filosofar no meio de uma conversa, com outro alguém ou não. Mesmo que seja sozinho, mesmo que esteja escrevendo, pra quê diabos você tem que parar de conversar pra poder fazer algum tipo de filosofia? Eu não vejo essa necessidade!

Para mim, a boa filosofia sai no meio de uma conversa. Mesmo agora, eu estou conversando, e você ai que tá lendo, tá me respondendo... eu sei disso, não teria como "não responder". A diferença é que eu não tenho  a tal mania de falar aos ventos que quase todos os filósofos me passam. Eles me passa a sensação de estar observando um monólogo que não me pertence, como se eu estivesse ouvindo atrás da porta, ou xeretando os diários de alguém. Como se ele estivesse dando uma palestra, mas não tivesse nenhum espectador que o interessasse, e então ele falasse a esmo... pro vento. Isso é chato, e perturbador. Se o cara se indignasse a estabelecer qualquer contato com o outro que está ouvindo, seria muito mais fácil gostar da filosofia dele (ou pelo menos entender, pra poder criticar de um jeito produtivo... ahh, você entendeu... ).

Mesmo que a filosofia de tal escritor seja feita de idéias, e apenas idéias dele. Se ele escreve um livro, é pra ser lido, e mesmo com toda individualidade dele, ele devia tentar um contato com um leitor, que seja deixá-lo indignado propositalmente. Ou o tirasse do sério. Que seja massagear-lhe o ego. Mas que o fizesse, Mas nem isso ele se propõe a fazer. E aí continua a escrever pra todos, porém pra ninguém em especial. Isso me entristece. Talvez, se ele tentasse algo mais natural, sem forçar a barra, sem pesar demais naquele "Lado erudito", ele conseguisse aprimorar a própria filosofia dez vezes por dia. E mais dez vezes á noite. Talvez se ele tentasse fazer-se entender de verdade, ele melhorasse a própria ideia. Fizesse-a amadurecer, mas não, sempre insistem em ocultar, em deixar linhas em branco, ou então fingir que acabou a ideia ainda no meio do raciocínio, sem deixar lógica nenhuma... ahh que chatice... Não tô dizendo pro cara entregar a filosofia mastigada, decomposta, isso faria perder a graça, mas pelo menos dá uma explicada, me manda coisa sem pé nem cabeça, e quer que eu adivinhe? 

 Mas se a ideia desse cara fosse comparada à comida, seria uma lata de milho. O cara te da a lata, mas sem abridor, e ai fala "Abre com as unhas, pois nem dentes você pode usar"... Eu arremessaria a lata na cabeça dele, de verdade. Pô, que seja uma faca pra abrir a bendita lata, mas me dê uma faca... ou um palito... mas me dar aquela porcaria lacrada, envolta em palavras mais complicadas do que deveriam ser, e cheia de espinho é sacanagem... Ou então, talvez nem tenha ideia alguma ali. Ele só junto um monte de palavras que pareciam bonitinhas umas do lado das outras, e soltou-as por aí, pra deixar o povo pensar sobre algo que não devia nem estar ali.... 
 
Dois caras conversando sobre o livro de um "Grande autor filosófico":

_Estou agora tentando achar o significado desse trecho...
_E oquê diz o trecho?
_ "Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que nunca comeu bu....checha...."
_Ahh, isso não tem significado!!!
_Mas é claro que tem, esse autor é um mestre filosófico, ele é profundo, ele toca na tua alma.... ele eh INCRÍVEL!!!
_Mas você não entendeu nada do que ele disse, e eu também não...
_Mesmo assim ele é bom, logo mais aparecerá algum significado...
_Reze por isso!

E é mais ou menos assim que eu vejo mais da metade da filosofia. Eu ainda iria achar melhor, o cara escrevendo no livro dele, em forma de uma conversa descontraída (e com risadas, é , risadas são legais, e todo mundo gosta de risadas....) do que entulhando aquele monte de porcaria "erudita"... 

Mas conversa é coisa de gente vazia, os leitores já não querem conversar, elas querem filosofia de alta classe. Eles querem ser distintos, eles querem entender aquele livro sem nexo, pra poderem exibir por aí o titulo de "O maior entendedor de porcaria do planeta". De qualquer forma, eu ainda gosto de conversar, até prefiro... Não me venha com papos "profundos e abrangentes" que eu não vou te dar atenção. Mas se algum dia me chamar pra conversar, com algum assunto interessante, ai sim, talvez possamos ficar horas à fio conversando. E eu garanto que nenhum dos dois sairá da conversa de mãos (ou cabeça) vazia.

PS: "Humanas, a maior responsável pela chatificação dos jovens de hoje em dia". E isso é um fato...