sábado, 13 de setembro de 2014

Mortezinha com Lavanda

    O rapper pertinho de seus "amiguinhos" de pelúcia A última vez que senti esse cheiro foi quando meu avô morreu. E isso já faz algum tempo. Doze anos se bem lembro. Gostava dele. Pelo que lembro tinha olhos bem vivos e um corpo meio morto... Acontece... eu acho. Nunca me disseram do que morreu meu avô, mas acho que aquele braço faltando tinha alguma relação. Não sou traumatizado pelo que aconteceu, mas esse cheiro ainda me deixa com nojo. Só espero ainda ter meus dois braços quando morrer. Não acho que vá morrer agora. Seria meio estúpido. Do tipo estúpido que sai no jornal, e faz o mundo rir de dó.
     Acabei nessa bosta de hospital quando chutei uma pomba e sem querer quebrei o pé. “Homem se revolta com pomba e morre. A causa foi pé quebrado”. Não soa tão mal, mas prefiro morrer dirigindo bêbado como qualquer homem de bem. Pena que não bebo e tenho medo de dirigir. Quando for pra morrer eu decido... E que ideia foi aquela minha. Chutar a pomba. Deveria ter tacado uma pedra como qualquer pessoa normal.Sabe como é. Pensar vai ficando mais difícil quando já se tem trinta e dois anos. Por isso tenho vinte e um e nao pretendo chegar até essa idade. 
     Não entendi o motivo de terem me deixado dois dias numa cama. “Risco de infecção generalizada”, pra mim isso soa como “achamos que você é um viadinho”. Não é como se tivesse me transformado no cara do meu lado. Pelo que ouvi, caiu de moto. Mas tinha diabetes. Tiram ele pelo menos três vezes por dia do quarto. E cada vez que volta tem um pedaço a menos da perna. Pelo menos ele ta sempre dormindo. Bom. Até onde sei ainda pretendem acordar o cara. 
     Também não sou tipo aquele cara da cama 705. Tiveram que amarrar o cara... Descobriu que tinha HIV semana passada... Acordou um dia, mordeu os dedos até arrancar as unhas e começou a jogar sangue nos outros Bom plano, ou quase. Só chama muita atenção. Seria mais facil jogar no suco. 
     Bom. Esse é o tipo de gente que faz o mundo andar. E não é que não goste daqui. É exatamente o contrário daquilo que não disse... Mas esse cheiro de lavanda não casa muito bem com “Senhor, o senhor tem que tomar mais soro, senhor” ou “Senhor, se o senhor não tomar isso aqui, vai perder o pé, senhor”. A enfermeira Judite era atendente de telemarketing antes de atormentar os doentes. Devia vender produto de limpeza pra hospital. E devia ser boa nisso, já que o hospital onde meu avô morreu também tinha cheiro de morte com lavanda. 
     Não é tão ruim, contanto que o Marcelo não atire sangue numa pistolinha d’água, e que a perna do dorminhoco não acabe. Só fico aqui sentado, comendo bolachinha água e sal com geléia de abacate. Esperando meu pé melhorar, ou o mundo acabar. Sem preferência. .

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