Bruce era um cara bacana, legal de verdade, mas andava bebendo demais. Já quase não comia ... Comia menos que os ratos da velha casa na qual ele morava de aluguel. Bruce tava indo pro buraco, trabalhava numa fábrica de vidros, dirigindo o trator que levava os tonéis de areia pra fornalha, pra fazer virar vidro. Recebia duzentos dólares por semana, grana que mal dava pra pagar a bebida.
O trabalho era duro, e o vidro saía quente da fornalha, mas Bruce era duro na queda, mesmo de ressaca ou ainda meio bêbado dava conta do trabalho. E ele era bom com aquele trator, nunca ninguém tinha visto ninguém se dar tão bom com aquele trabalho. Mas dava pra ver na cara dele, que ele tava desgastado, tava mais magro que modelo de calcinha, além disso o fígado dele logo logo iria pro lixo, e eu juro que umas três vezes vi ele cuspindo sangue. Ele era um cara legal, mas o uísque e a tequila estavam afundando ele. E o desgraçado sabia disso. Mas se não bebesse, ficava o dia todo chorando. E mesmo bebendo, ás vezes desatava a chorar feito criança.
Bruce era durão, meio quieto, um cara boa gente, sempre pagava uma rodada pra todo mundo quando chegava no bar. Não ia pra igreja, mas dizia que Deus tinha um plano pra ele, e a vida dele devia ser alguma espécie de teste. Dizia que logo iria acabar a fase da bebedeira, e que todas as mágoas iriam junto. Mas que por hora, ele bebia, e chorava...
Ninguém sabia exatamente o porquê do choro dele. Mas quase todo dia, bebendo ou não, chegava pra trabalhar logo cedo com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. E diziam também, que quando chorava no bar, sempre resmungava um nome... Madeleine.
Eu não sei quem é Madeleine, ninguém sabia, ele nunca falava... Mas uns caras do bar diziam que devia ser a esposa dele, e que ela tinha morrido num acidente de carro, e quem estava dirigindo o tal carro era Bruce. Não sei, não acredito naqueles caras, passam tanto tempo naquele bar, que inventam historias pra poderem ganhar bebida de graça... Um dia eu perguntei pra ele quem era Madeleine, ele me olhou com cara de espanto e me disse "Não é da tua conta". Eu nunca voltei a perguntar, talvez... Não fosse mesmo da minha conta.
Certo dia, o cara chegou no trabalho mais bêbado que um gambá, e ele estava fedendo a bebida, e sujo... Pobre homem, deve ter dormido com as baratas em um beco qualquer. E ele ainda tava de uniforme, não tinha nem tirado o carro dele da vaga no estacionamento. Tinha ido direto pro bar no dia anterior. Ele chegou pontualmente as 08:00, ele segurava uma garrafa de uísque quase vazia numa mão, e as luvas sujas de graxa na outra mão. Bruce era um cara legal, mas tava se acabando. E ele queria porquê queria trabalhar, nós tentamos convence-lo a ir pra casa, ou então deitar no carro e dormir. Mas ele insistiu, ele tava acabado, dava pra ver nos olhos dele que ele tinha chorado a noite toda, aqueles olhos vermelhos de Madeleine. Os lábios trêmulos, e o cheiro de bebida... e ele só queria trabalhar...
O pobre diabo tava no chão, tava um lixo, mas só queria trabalhar. Sujo de lama e lágrima, e ainda assim, só pensava naquele trator, e nos tantos tonéis de areia que teria de carregar. Bruce era um cara legal... Pena que aquele gordo nojento do nosso chefe não era...
Quando chegou, e viu Bruce naquele estado, quase o matou. Gritou com ele por um quarto de hora antes de manda-lo embora por justa causa. Ainda o mandou embora por justa causa... Porra, ele tinha pisado na bola, mas aquele velho era filho da puta demais para perdoa-lo. Bruce agora estava desempregado. Bêbado, sujo, chorando e desempregado...
Ele foi pro estacionamento, pegou seu velho Plymouth 72' e saiu cantando pneu. Foi pra casa, casa da qual ele logo seria despejado, quando lembrou-se disso, teve de rir. A grana do aluguel tinha sido gasta á tempos com bebida. Chegou em casa ainda vivo, por pouco... Quase enfiou o carro na traseira de um caminhão quando fez uma curva e o volante escapou das mãos dele. Mas o cara era durão, sempre soube se virar...
Entrou pelo portão, colocou a chave na fechadura e abriu a porta com aquele estralo familiar. Foi pro guarda-roupas, tirou aquele uniforme, jogou-o para longe e vestiu roupas limpas. Abriu o armário, e lá achou a ultima garrafa de uísque que tinha, e saiu. Foi de novo para o velho Plymouth 72' . Ele corria demais. E ainda estava bebendo, o cara tinha perdido as estribeiras. Não tinha seu trator, e só conseguia repetir o mesmo nome... "Madeleine". Ainda era um cara legal, só que agora estava louco. E sabia que não ficaria louco por muito tempo...
Ele já estava na autoestrada nessa hora. Ele estava a 120 por hora. "Madeleine". E a essa altura, a garrafa já estava na metade, ele bebia demais, mas agora já não importava. Ele continuou, até ver uma estrada de terra familiar, deu uma guinada desvairada com o carro e seguiu pela estrada de terra. "Madeleine". Ele tava correndo demais naquela estrada de terra... Deu mais uma guinada, ele sabia onde estava... Sabia que estava próximo daquele precipício. "Madeleine". Deu mais um grande gole na bebida, e jogou-a fora. A estradinha parecia se mexer, e tudo girava, o volante escapava das mãos dele. Mas não importava, ele estava alucinado. "Madeleine" . E então ele viu o destino, bem na frente dele. O destino à frente dos olhos. E então ele acelerou o máximo que podia. E agora ele ria. Ele gargalhava... Perdido na própria fantasia, ele começou a rir. E o carro estava dando o máximo que podia. Então, em um instante tudo parou... Só se ouvia o rugido do motor... só se ouvia Bruce rindo que nem louco. E então ele se sentiu voando... E ele sabia oque tinha visto...
Madeleine...
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