quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Você luta? Até parece!


Hahaha, quantas vezes eu já tive que ouvir isso, foram tantas que eu perdi a conta! Lutar é uma das pouquíssimas coisas que me dão prazer, e talvez a única que me deixe totalmente tranquilo. Não é sobre bater no outro, jogá-lo até ele não conseguir andar mais, ou sobre entrar o mesmo golpe quinhentas vezes, até ficar tonto e cair sentado, é algo mais prazeroso. Tem algo em colocar meu quimono e minha faixa, algo em pisar no tatame com os pés descalços que me tranquiliza, deve ser aquela coisa de "Saber a sua posição" que me deixa tão tranquilo. Dentro do tatame eu tenho um objetivo, tenho um foco e uma concentração que eu não encontro em mais nenhum lugar.

Talvez seja meu lado mais calmo que aflora lá, um lado que não consigo fazer aflorar com calça jeans e tênis, mas um quimono e uma faixa fazem sair naturalmente... Ahh aquela tranquilidade que eu não vou achar em nenhum outro lugar. Mesmo ofegante, depois de lutar com alguém maior e mais pesado, mesmo com os dedos sangrando e com as pernas cansadas e pesadas, eu ainda continuo sempre tranquilo e focado... como  se eu fosse feito para fazer aquilo, como se fosse tão natural e espontâneo como respirar. E talvez seja, já não lembro do meu primeiro treino, não lembro da minha primeira luta, então talvez eu tenha feito isso desde sempre!

Lutar é como música, é suave... e forte, mas você sente tudo, cada passo, cada pegada, você ouve o ritmo dos passos que você dá. Consegue quase prever o próximo movimento do seu oponente, consegue pensar ele tudo que ele pensa, e tentar, ainda assim, ser mais rápido, tentar jogá-lo antes, entrar o golpe antes, ou mesmo deixa-lo tentar o golpe dele, só pra ver se você aguentaria, ainda assim, você sabe que mesmo derrubando-o cem vezes, você não é melhor que ele.

 Você sente a vontade do seu oponente crescendo, quando ele encosta no quimono, com as mãos mais fortes, quando ele respira, e você quase sente a força dele crescendo enquanto te empurra e te puxa, e ai sim, você sabe que chegou a hora de fazer o mesmo. E assim fica, por muito tempo, como dois búfalos brigando, se empurrando com cada vez mais força, nunca disposto a dar ao outro o gostinho de parecer mais forte, mesmo que por um instante, você sabe que não deve deixa-lo crescer, sabe que deve segurá-lo. Não por arrogância, mas exatamente pelo contrário, você não pode deixa-lo ter o luxo de se sentir maior e mais forte, e ele faz o mesmo, ele também te segura, com todas as forças que tem, com todo o vigor dos braços e pernas. Ele também sabe que se for pra cair, é pra cair de má vontade, é pra cair te empurrando, é pra cair sem te soltar, pois você não deve ter o prazer de tratá-lo como espantalho, e isso é uma regra, cair de graça? Nunca!

Mas quando jogá-lo, quando fizer teu oponente de boneco, se for muito superior, segura esse teu ego! Não se deixe levar pelo êxtase de uma ou duas quedas, pois ele não esta realmente gostando da situação, no máximo ele aceita cair todas essas vezes como lição, como fortalecimento para o caráter, mas saiba que logo, antes do que você possa esperar, ele poderia estar fazendo o mesmo contigo. Pois quando se cai uma vez, a segunda já não é tão fácil, e a terceira já não é mais de graça...

E eu já sei qual o maior prazer no judô, é no fim de 3 horas de treino, tirar o quimono, e perceber que ele está molhado, quase pingando de suor, perceber que todos os teus músculos, que outrora estavam fortes e alegres, agora estão chiando e reclamando, e se recusando a funcionar. E que ainda assim você está contente. Mesmo tonto de cansaço, mesmo sem conseguir andar direito (pois as pernas gritam por descanso), mesmo com os dedos sangrando e cheio de hematomas, mesmo assim, ainda assim você está sorridente, ainda que até a tua cara esteja esfolada, você sorri (lona de tatame nunca foi muito boa para esfoliação facial) . E agora já mal pode esperar para tua carcaça se erguer novamente, e te deixar mais um vez entrar lá, e fazer tudo de novo, e mais forte, e mais rápido, pois essa carcaça sabe sofrer, e quanto mais sofre, mais aguenta sofrer, e apesar de resmungar dos ombros que já são endurecidos, e das costas que lhe incomodam, você nunca consegue abandonar a luta, pois você a ama, e já fez dela uma prioridade da tua vida!


 Mas não é só com meu quimono que eu sou feliz, quando coloco as minhas sapatilhas verde-limão eu sou ainda mais livre... a sensação é a de estar no meu lar, não importa onde eu esteja, posso estar do outro lado do mundo, com elas eu sou mais livre.

Quando estou com as minhas sapatilhas, sei que posso fazer mais, sei que posso ir ainda mais longe, sei que cada golpe que eu entro, cada ponto que eu marco, é um ponto que me eleva ainda mais, é um ponto que me deixa mais em casa. Cada passo pode decidir tudo, cada pegada pode acabar com a luta, e cada movimento em falso pode me por pra fora do tapete.

Mas as sensação ainda me toma por completo, os primeiros passos no tapete olímpico, o aquecimento, a sensação de que nada te prende, e que você é livre ali. Que toda responsabilidade que antes parecia pesar uma tonelada, e estava amarrada nas tuas costas já não pesa mais que uma pena! Pode não ser a luta mais conhecida do mundo, pode não ser a mais bonita pros leigos, mas se é a luta mais antiga do mundo, e nunca parou de ser praticada, algum motivo deve ter... E esse motivo meus amigos, é que ela mostra o leão dentro do homem, mostra toda a força que um homem possui, sem as indelicadezas dos socos e chutes. Mostra o quão forte você pode ser sem fazer sangrar seu oponente, prova para você mesmo que apesar de todo o mundo lá fora, ainda consegue se concentrar naquele instante.

E cada segundo passa lentamente, como se demorasse uma eternidade, mas ainda assim, acaba tão rápido, e quando parar pra pensar, você fez dez lutas, e nem reparou que esquece de respirar... Aquele tempo que você reclamava por não passar, aqueles instantes que te irritavam por se arrastarem, agora que eles passaram te irritam mais ainda, e faz você os querer de volta.

E ainda que sofra, que sangre, que perca, a luta já mora em ti, eu amigo. E se a luta tem em ti uma morada, tens nela também a tua. O teu templo, e ele é pra ti mais sagrado que qualquer outra coisa nesse mundo!




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